UOL


São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vilões ou vítimas?

DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Apontados como vilões, responsáveis por boa parte da violência vista hoje nas grandes cidades, os jovens que atuam no tráfico de drogas são a ponta desencapada do fio que amarra o país e o mundo e que envolve políticos, juízes, corrupção e trambique. Muitos morrem antes de completar 18 anos e engrossam os altos índices de mortalidade juvenil por causas externas (na maioria dos casos, vítimas de homicídio). Com isso, esses jovens encarnam as duas faces da violência: a do agente e a da vítima.
Um estudo do Iser (Instituto de Estudos da Religião) e do Viva Rio, publicado no livro "Crianças do Tráfico" (Editora Sete Letras), feito pelo antropólogo Luke Dowdney, levantou dados contundentes: entre 1987 e 2001, morreram mais adolescentes por ferimento a bala no Rio do que em países sob guerra civil no mesmo período. "O adolescente que recebe uma arma do tráfico de drogas e começa a usá-la, e isso é visto na taxa de mortalidade -situação semelhante à dos jovens em guerra", diz Dowdney.
"A sociedade compactua com esse extermínio porque não valoriza esses jovens corrompidos como cidadãos nem reconhece a co-responsabilidade que tem nisso. Por isso o documentário é tão importante", critica o juiz Siro Darlan, da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio. "O envolvimento desses garotos não acontece sem querer. Eles têm de ter vontade, têm de querer. Ao mesmo tempo, eles não são culpados porque são atraídos por um sistema que se deixou montar no Brasil e que não corrompe só os meninos mas deputados em Brasília, juízes e banqueiros. São eles que estão ficando ricos, e não os traficantes do morro", analisa Alba Zaluar, antropóloga pioneira em estudos sobre violência e autora, entre outros, de "Condomínio do Diabo" e "Da Revolta ao Crime S/A".
"Esses jovens morrem e matam porque essa é sua realidade: mate ou morra", completa Dowdney. "É uma tragédia um jovem saber que vai morrer no tráfico e ainda fazer essa opção."
Isso fica evidente em meia-hora de conversa com qualquer um desses garotos. Todas as suas histórias são repletas de protagonistas mortos -colegas de trabalho, jovens como eles, identificados como "falecidos"-, relatadas com muita naturalidade: "Aí, o Falecido Fulano encontrou comigo e a gente viu o Falecido Sicrano correndo...".
"É importante combater a visão que vê esses garotos apenas como "soldados" e sua situação como de guerra porque isso pode significar que deveríamos declarar guerra a essas pessoas, o que legitimaria a sociedade a apoiar um extermínio", discute Marcelo Rasga Moreira, cientista social e um dos autores de "Nem Soldados nem Inocentes", da Fundação Oswaldo Cruz.
"Estamos colocando no mesmo saco um [Fernandinho] Beira-Mar, um colarinho-branco que frequenta os melhores hotéis e restaurantes e esses meninos. E, como sempre, a corda arrebenta do lado do mais fraco." (FM)


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Muitas idéias e pouca ação
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.