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Vilões ou vítimas?
DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Apontados como vilões, responsáveis
por boa parte da violência vista hoje
nas grandes cidades, os jovens que
atuam no tráfico de drogas são a ponta
desencapada do fio que amarra o país e
o mundo e que envolve políticos, juízes, corrupção e trambique. Muitos
morrem antes de completar 18 anos e
engrossam os altos índices de mortalidade juvenil por causas externas (na
maioria dos casos, vítimas de homicídio). Com isso, esses jovens encarnam
as duas faces da violência: a do agente e
a da vítima.
Um estudo do Iser (Instituto de Estudos da Religião) e do Viva Rio, publicado no livro "Crianças do Tráfico" (Editora Sete Letras), feito pelo antropólogo Luke Dowdney, levantou dados
contundentes: entre 1987 e 2001, morreram mais adolescentes por ferimento a bala no Rio do que em países sob
guerra civil no mesmo período. "O
adolescente que recebe uma arma do
tráfico de drogas e começa a usá-la, e
isso é visto na taxa de mortalidade
-situação semelhante à dos jovens
em guerra", diz Dowdney.
"A sociedade compactua com esse
extermínio porque não valoriza esses
jovens corrompidos como cidadãos
nem reconhece a co-responsabilidade
que tem nisso. Por isso o documentário é tão importante", critica o juiz Siro
Darlan, da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio. "O envolvimento desses garotos não acontece sem querer.
Eles têm de ter vontade, têm de querer.
Ao mesmo tempo, eles não são culpados porque são atraídos por um sistema que se deixou montar no Brasil e
que não corrompe só os meninos mas
deputados em Brasília, juízes e banqueiros. São eles que estão ficando ricos, e não os traficantes do morro",
analisa Alba Zaluar, antropóloga pioneira em estudos sobre violência e autora, entre outros, de "Condomínio do
Diabo" e "Da Revolta ao Crime S/A".
"Esses jovens morrem e matam porque essa é sua realidade: mate ou morra", completa Dowdney. "É uma tragédia um jovem saber que vai morrer no
tráfico e ainda fazer essa opção."
Isso fica evidente em meia-hora de
conversa com qualquer um desses garotos. Todas as suas histórias são repletas de protagonistas mortos -colegas
de trabalho, jovens como eles, identificados como "falecidos"-, relatadas
com muita naturalidade: "Aí, o Falecido Fulano encontrou comigo e a gente
viu o Falecido Sicrano correndo...".
"É importante combater a visão que
vê esses garotos apenas como "soldados" e sua situação como de guerra
porque isso pode significar que deveríamos declarar guerra a essas pessoas,
o que legitimaria a sociedade a apoiar
um extermínio", discute Marcelo Rasga Moreira, cientista social e um dos
autores de "Nem Soldados nem Inocentes", da Fundação Oswaldo Cruz.
"Estamos colocando no mesmo saco
um [Fernandinho] Beira-Mar, um colarinho-branco que frequenta os melhores hotéis e restaurantes e esses meninos. E, como sempre, a corda arrebenta do lado do mais fraco."
(FM)
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