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Muitas idéias e pouca ação
DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Não há soluções simples e imediatas
para uma situação tão explosiva e
complicada como a dos jovens que encontraram no narcotráfico um mercado
de trabalho amplo. "Policiamento duro e
repressivo só vai gerar mais violência. E,
provavelmente, o que a gente viu no Rio
nas últimas semanas é fruto disso", avalia Luke Dowdney, autor do estudo
"Crianças no Tráfico".
"A repressão policial só funciona momentaneamente", afirma o cientista social Marcelo Rasga Moreira, co-autor do
estudo "Nem Soldados nem Inocentes".
"A relação desses meninos com a polícia
é de ódio. E muitas vezes a polícia é o único canal deles com o poder público."
Para o secretário nacional de Segurança Pública, Luis Eduardo Soares, "a polícia tradicionalmente tem sido violenta,
racista e classista. Nós só nos ocupamos
do desrespeito aos direitos humanos
quando a classe média foi vítima dele,
durante a ditadura. Mas os pobres sempre foram torturados, e a polícia sempre
agiu de forma brutal".
"O envolvimento de jovens no tráfico
foi colocado debaixo do tapete durante
anos. O Brasil tolerou demais essa situação e nunca a encarou com realismo",
critica Denise Paiva, 50, diretora do Departamento de Criança e do Adolescente
da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República.
"O tráfico atrai os jovens pela identidade com o grupo, pelo dinheiro, pela possibilidade de consumo, pelo prestígio,
pelo poder e pela adrenalina. Então, programinhas de bolsa não são competitivos. É preciso criar uma política pública
que puxe o adolescente por todos esses
aspectos que o levaram ao tráfico."
"Quando se fala em políticas públicas,
há uma indiferenciação no tratamento
dos garotos quando o fundamental é valorizá-los individualmente. Se isso acontecer, não há dinheiro no mundo que os
capture novamente", aposta Soares.
Culpa
Muitos garotos crêem que sua situação
seja fruto do desemprego -em 1999,
51% dos brasileiros desempregados tinham até 24 anos- e da demanda pela
droga. "Quem compra é que fortalece a
firma. E quem compra mais são os bacanas, de carrão e tudo. Ninguém os obriga
a vir aqui. Eles querem comprar e eu estou vendendo", diz o vapor Diogo, 17.
"Essa é uma noção simplista e marxista
da luta de classes na droga. Não gosto da
teoria que culpa o consumidor porque,
quando ele perde o controle sobre a droga, ele é um pobre coitado", avalia a antropóloga Alba Zaluar.
Para Paiva, "um trabalho voltado para
essa questão deve estar conectado a uma
política de prevenção do uso de drogas e
de tratamento de dependentes. O foco
dessas políticas deve ser complementar".
Para Mario Volpi, oficial de projetos na
área de adolescência do Unicef (Fundo
das Nações Unidas para a Infância),
"existem iniciativas públicas e do terceiro
setor nesse sentido. O grande problema é
que predomina nas ações tanto governamentais como não-governamentais a falta de integração dos programas".
Essas políticas, de acordo com Moreira,
devem dar conta tanto dos garotos que
ainda não entraram no tráfico como daqueles que já atuam no crime. O Sistema
de Proteção à Testemunha está sendo
testado pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos com alguns garotos
oriundos do tráfico, segundo Paiva. "Vamos aprimorá-lo para que funcione com
garotos jurados de morte e com os que
testemunharam ações do tráfico."
Iniciativas
Para Moreira, iniciativas para solucionar esse conflito existem, mas ainda são
insuficientes. "Não acho que o poder público se omita. Ele faz uma opção clara de
investir em outras políticas: econômicas,
de pagamento de dívidas etc. E, ao fazer
isso, reduz a capacidade de investimento
em políticas sociais. Por outro lado, existem muitas ONGs que trabalham esse
problema de formas variadas."
O coordenador-executivo do grupo
cultural Afroreggae, Jorge Júnior, 34,
confirma que, em dez anos de trabalho
na retirada de garotos do tráfico, não conheceu nenhuma ação governamental
que prevenisse a entrada de jovens no crime. "Conheço apenas idéias", diz.
O Afroreggae atua em quatro comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro
com programas para atrair o jovem envolvido no tráfico por meio da cultura, da
arte, da reconstrução da auto-estima e da
noção de cidadania. "Todo o nosso trabalho visa à profissionalização. Um projeto que não contemple a geração de renda é um tiro no próprio pé." Jorge Júnior
deve lançar, em abril, o livro "Da Favela
para o Mundo", que trata da experiência
do Afroreggae e de sua metodologia de
abordagem do jovem do tráfico. "Criamos, por meio da cultura, da arte e da
educação, elementos de sedução que os
atraem. Posso dizer que muitos dos melhores artistas que temos de circo, de música e de capoeira são ex-traficantes."
Segundo o secretário nacional de Segurança Pública, a questão não tem remédio a curto prazo. "Mas podem ser obtidos avanços importantes rapidamente,
como uma mudança de atitude da polícia. Acho que está na pauta a criação de
um programa que atenda à juventude
nos moldes do Fome Zero. Um fundo de
emergência para a salvação da juventude
vulnerável que seja capaz de oferecer
projetos para emprego, renda e assistência à família, atentando sempre para as
dimensões cultural, subjetiva e artística,
que são fundamentais nesse processo."
(FERNANDA MENA)
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