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São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2003

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Muitas idéias e pouca ação

DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Não há soluções simples e imediatas para uma situação tão explosiva e complicada como a dos jovens que encontraram no narcotráfico um mercado de trabalho amplo. "Policiamento duro e repressivo só vai gerar mais violência. E, provavelmente, o que a gente viu no Rio nas últimas semanas é fruto disso", avalia Luke Dowdney, autor do estudo "Crianças no Tráfico".
"A repressão policial só funciona momentaneamente", afirma o cientista social Marcelo Rasga Moreira, co-autor do estudo "Nem Soldados nem Inocentes". "A relação desses meninos com a polícia é de ódio. E muitas vezes a polícia é o único canal deles com o poder público."
Para o secretário nacional de Segurança Pública, Luis Eduardo Soares, "a polícia tradicionalmente tem sido violenta, racista e classista. Nós só nos ocupamos do desrespeito aos direitos humanos quando a classe média foi vítima dele, durante a ditadura. Mas os pobres sempre foram torturados, e a polícia sempre agiu de forma brutal".
"O envolvimento de jovens no tráfico foi colocado debaixo do tapete durante anos. O Brasil tolerou demais essa situação e nunca a encarou com realismo", critica Denise Paiva, 50, diretora do Departamento de Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República.
"O tráfico atrai os jovens pela identidade com o grupo, pelo dinheiro, pela possibilidade de consumo, pelo prestígio, pelo poder e pela adrenalina. Então, programinhas de bolsa não são competitivos. É preciso criar uma política pública que puxe o adolescente por todos esses aspectos que o levaram ao tráfico."
"Quando se fala em políticas públicas, há uma indiferenciação no tratamento dos garotos quando o fundamental é valorizá-los individualmente. Se isso acontecer, não há dinheiro no mundo que os capture novamente", aposta Soares.

Culpa
Muitos garotos crêem que sua situação seja fruto do desemprego -em 1999, 51% dos brasileiros desempregados tinham até 24 anos- e da demanda pela droga. "Quem compra é que fortalece a firma. E quem compra mais são os bacanas, de carrão e tudo. Ninguém os obriga a vir aqui. Eles querem comprar e eu estou vendendo", diz o vapor Diogo, 17.
"Essa é uma noção simplista e marxista da luta de classes na droga. Não gosto da teoria que culpa o consumidor porque, quando ele perde o controle sobre a droga, ele é um pobre coitado", avalia a antropóloga Alba Zaluar.
Para Paiva, "um trabalho voltado para essa questão deve estar conectado a uma política de prevenção do uso de drogas e de tratamento de dependentes. O foco dessas políticas deve ser complementar".
Para Mario Volpi, oficial de projetos na área de adolescência do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), "existem iniciativas públicas e do terceiro setor nesse sentido. O grande problema é que predomina nas ações tanto governamentais como não-governamentais a falta de integração dos programas".
Essas políticas, de acordo com Moreira, devem dar conta tanto dos garotos que ainda não entraram no tráfico como daqueles que já atuam no crime. O Sistema de Proteção à Testemunha está sendo testado pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos com alguns garotos oriundos do tráfico, segundo Paiva. "Vamos aprimorá-lo para que funcione com garotos jurados de morte e com os que testemunharam ações do tráfico."

Iniciativas
Para Moreira, iniciativas para solucionar esse conflito existem, mas ainda são insuficientes. "Não acho que o poder público se omita. Ele faz uma opção clara de investir em outras políticas: econômicas, de pagamento de dívidas etc. E, ao fazer isso, reduz a capacidade de investimento em políticas sociais. Por outro lado, existem muitas ONGs que trabalham esse problema de formas variadas."
O coordenador-executivo do grupo cultural Afroreggae, Jorge Júnior, 34, confirma que, em dez anos de trabalho na retirada de garotos do tráfico, não conheceu nenhuma ação governamental que prevenisse a entrada de jovens no crime. "Conheço apenas idéias", diz.
O Afroreggae atua em quatro comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro com programas para atrair o jovem envolvido no tráfico por meio da cultura, da arte, da reconstrução da auto-estima e da noção de cidadania. "Todo o nosso trabalho visa à profissionalização. Um projeto que não contemple a geração de renda é um tiro no próprio pé." Jorge Júnior deve lançar, em abril, o livro "Da Favela para o Mundo", que trata da experiência do Afroreggae e de sua metodologia de abordagem do jovem do tráfico. "Criamos, por meio da cultura, da arte e da educação, elementos de sedução que os atraem. Posso dizer que muitos dos melhores artistas que temos de circo, de música e de capoeira são ex-traficantes."
Segundo o secretário nacional de Segurança Pública, a questão não tem remédio a curto prazo. "Mas podem ser obtidos avanços importantes rapidamente, como uma mudança de atitude da polícia. Acho que está na pauta a criação de um programa que atenda à juventude nos moldes do Fome Zero. Um fundo de emergência para a salvação da juventude vulnerável que seja capaz de oferecer projetos para emprego, renda e assistência à família, atentando sempre para as dimensões cultural, subjetiva e artística, que são fundamentais nesse processo." (FERNANDA MENA)


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