São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 2000


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free way
O que você quer ser quando crescer, Brasil?

GUSTAVO IOSCHPE
Colunista da Folha

Há um consenso geral de que somos uma grande potência esperando pra explodir. Desde o "em se plantando, tudo dá", de Pero Vaz de Caminha, até o "Brasil, País do Futuro", de Stefan Zweig, somos apontados como o embrião de uma potência futura. Primeiro tínhamos de nos livrar das amarras coloniais, depois da escravidão, depois do regime oligárquico, depois dos militares, da dívida externa, da inflação, do Collor, dos políticos corruptos... O tempo passa e sempre fica apenas um entrave, apenas aquela pedra no meio do caminho que, quando retirada, nos levará ao nirvana absoluto. Essa mitologia, reforçada por observadores imparciais assim como por governantes manipuladores, está encravada na mentalidade do brasileiro, e não é preciso procurar muito para encontrar alguém que possa desfilar o rosário de virtudes que nos levariam ao eldorado: abundância de recursos minerais e naturais, território extenso ("continental") e diversificado, povo harmoniosamente multicultural e pacífico, vasta costa marítima, grande produção agrícola etc.
Essa visão é, no mínimo, fantasiosa. Até aí, nada demais. Alguém já disse que o homem (ou as nações) prudente (s) é como o bom arqueiro: mira sempre um pouco acima do alvo que deseja alcançar. Seria bom se o Brasil adotasse um discurso de querer ser o país hegemônico no mundo, para acabar alcançando assim uma posição nos top 10 ou 25. O problema é que essa crença na inevitabilidade do sucesso nacional, da criação de uma "Roma tropical", como queria Darcy Ribeiro, é papo furado.
Há o desejo de ser grande e bom, como é natural no ser humano e nas sociedades, mas não há nada de concreto que aponte para a realização desse ideal. Pergunte-se ao brasileiro comum se ele topa o sacrifício necessário para se tornar uma potência, e duvido que haja uma maioria disposta ao suor. Quem quer morar em um país onde se trabalha de sol a sol, onde se respeitam as leis, onde não há jeitinho, onde as relações interpessoais perdem em detrimento da competência profissional? Não acho que uma maioria. São muitos os que se deixaram convencer por um delírio segundo o qual o desenvolvimento viria do céu ("Deus é brasileiro", outra mostra típica dessa falácia). Mas, como se sabe em economia, "there is no such thing as a free lunch": nada vem de graça.
O grande problema dessa visão irracionalmente otimista não é que ela não seja alcançável (pois a concretização do ideal pode sempre ser prorrogada, até o fim dos tempos), mas sim que ela impede a realização de um debate de suma importância, que é o de definir os rumos nacionais, a identidade que se quer para o país. Depois que acabou a batalha contra a ditadura e, mais recentemente, contra a inflação, vivemos em uma situação de relativa normalidade (que o caos social não permite demasiado sossego) onde é possível traçar planos, imaginar caminhos e definir destinos. Isso, apesar de toda a lenga-lenga do atual governo de que temos rumo, nem começou a ser feito.
Que posição queremos ter no mundo? Que posição ocuparemos na divisão internacional do trabalho? Onde vamos estar daqui a 20 anos? E daqui a 50? Que modelo de país teremos? Teremos um estado de bem-estar social, prezando a justiça social, ou teremos um regime competitivo, onde vença o melhor? Qual o papel do Estado nesse novo país?Que posição teremos dentro da América Latina? Seremos uma liderança importante entre os países do Terceiro Mundo? Qual o modelo de crescimento que adotaremos? De substituição de importações ou de inserção aberta em um mercado global? Como se dará essa inserção? Continuaremos alinhados com os Estados Unidos ou formaremos uma dissidência? Qual o nível de desigualdade que toleraremos dentro do país ?
Essas são todas questões que permanecem, angustiantemente, sem resposta. Aliás, pior, permanecem sem ser ao menos perguntadas, perdidos que estamos nesse debate que parece profundíssimo entre "monetaristas" e "desenvolvimentistas", que discute infinitamente como chegar ao crescimento, mas nunca se preocupa em saber para que o queremos e como o usaremos. Desse jeito, iremos é para lugar algum. Como dizia Brecht, não existem bons ventos pra quem não sabe onde quer chegar.


Gustavo Ioschpe, 23, mora em Londres. E-mail: desembucha@uol.com.br


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