São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

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Rapper usa ironia para quebrar a seriedade do gênero

De Leve introduz deboche no rap

RICARDO TIBIU
FREE LANCE PARA A FOLHA

Em tempos de murmurinho na cena do rap nacional com o lançamento de "Nada Como um Dia Após o Outro Dia", dos Racionais MCs de São Paulo, o Rio contra-ataca. Mais carioca que Ramon Moreno de Freitas e Silva, vulgo De Leve, impossível.
Assim como Mano Brown, ele também domina o microfone. E, se o discurso do mano do Capão Redondo, na periferia de São Paulo, é altamente engajado e inflamado, o do "brother" de Niterói (RJ) é outro.
O carimbo de deboche explícito estampado na capa do EP "Introduzindo: De Leve", gravado com o DJ Castro e lançado pela Tomba Records, não está ali por acaso. De Leve diz ser "o típico playboy branco morador da zona sul, classe média falida". E que rima não só para debochar de tudo o que julga ser clichê -seja do próprio rap, seja da televisão- mas também para ver se vende discos e consegue comprar uma bicicleta nova.
E é esse o tom de suas letras. O EP apresenta sete criativas e inusitadas músicas. Nada de críticas sociais, onomatopéias de tiros ou discursos longos sobre drogas, racismo ou machismo. Fugindo do lugar-comum, a ironia é o que impera. Em "Nego Gosta", a letra dá uma zoada nos chavões do tipo "rap na veia" e "é nóis na fita".
E o sistema? "Quero dizer que tá na hora de mudar o que se fala, já que há dez anos tem gente que fala disso", diz De Leve. Ele acha que, se fosse mais ouvidos por outras pessoas, além do público do rap, talvez fosse possível mudar algo.
Sobre a reação do público tradicional do hip hop, ele manda: "Tem uns que me acham maluco, outros dizem que sou comédia e que quero aparecer, mas alguns acabam gostando". Em "Largado", ele inicia dizendo que "isso resume a minha vida". E dispara uma metralhadora de sarcasmo narrando a história de um sujeito que não liga para a aparência e, assim, envergonha a família, a vizinhança e a namorada. E o assunto de "Vai Vendo" é treta -não entre gangues, mas entre namorados-, e o resultado é cômico. A espetacular "Eu Rimo na Direita" tem um videoclipe repartido com "Som pra Pista". Esta última é do Quinto Andar, grupo que De Leve fundou em 2000 com Marechal e DJ Castro.
Na verdade, é uma galera espalhada pelo Brasil, com DJs e MCs do Rio, de SP e de MG, que merece atenção. Com R$ 5, é possível comprar um CD pirata em camelô, mas, se quiser comprar música boa e original, guarde para gastar com o De Leve.
Ele ainda não conseguiu comprar a tão sonhada bicicleta pelo descaso de que é vítima. "Ninguém me convida para fazer show pago; todos acham que por ser underground tenho que tocar de graça", diz. E conclui, demonstrando seu estilo: "Bicicleta fura muito o pneu, uma vez estava longe de casa e aconteceu isso. Preferi comprar um skate, que não fura o pneu".
De Leve tem 21 anos, o rap underground, microfone na mão, um futuro de rimas e muito esculacho pela frente. Ainda bem. (RICARDO TIBIU)


Contato: tuxedo@ig.com.br
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