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De alienações, verdadeiras e presumidas
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Diz a sabedoria popular que,
se conselho fosse bom, não sairia
de graça. A despeito desse vox
populi e das reiteradas tentativas
do signatário de revelar que não
conhece o sendero luminoso,
não diminui o número de e-mails de gente pedindo dicas de
como alcançar o sucesso.
Uma constante desses pedidos
são as amostras de que se está
bem-informado. É gente que lê
cinco jornais diários, quatro revistas semanais, mais umas dez
mensais e que está a todo o tempo vendo os noticiários da TV e
checando a Internet. É o que se
chama aqui -na terra onde
qualquer patologia tem legiões
de adeptos-malucos-praticantes- de "information junkie".
Ou, sei lá, informaconheiro, numa tradução pra lá de livre.
A crença de que informação é
poder (e poder é dinheiro, e dinheiro é sucesso) está bem arraigada, me parece, tanto aqui
quanto aí. Faz sentido. Em uma
sociedade fugaz, em que valores,
ícones e movimentos são criados, requentados, reciclados e
expelidos a cada
primavera, parece haver uma necessidade premente de saber
qual é a onda do
momento, para
não perder a viagem. Assim, fica-se nessa marola,
pulando de onda
em onda, sempre
tentando chegar à
arrebentação, que deveria ficar
mais perto a cada onda que se
passa, mas que acaba sempre ficando tão longe quanto sempre
esteve. E o pior de tudo é que
agora -e cada vez mais daqui
para a frente- a quantidade de
informação disponível, com a
difusão da Internet e de uma cultura que se quer globalizada,
chega às raias do infinito. O que
antes era marola que se pulava
com um pé só virou um tubo de
Pipeline e o risco de afogamento,
proibitivo. Já ouvi de um expert
em informática que se produziu
mais informação nos últimos
dez anos -agora que qualquer
maníaco da vida pode montar a
sua homepage e discorrer por
páginas e páginas sobre a importância da construção
dos aviõezinhos de
papel para a satisfação dos eunucos-
do que em toda a
história da humanidade até então.
O segredo para
evitar o caldo, como
sabe qualquer surfista, é mergulhar. Descer alguns níveis e aí,
sim, passar de qualquer arrebentação sem ter de se
preocupar com o tamanho ou a
cor das ondas lá de cima. Ou, como dizia Platão, chegar às Formas, aquilo que é pereno e imutável. O Belo, o Verdadeiro, o
Justo. Deixar de lado o mundo
das opiniões, essas sempre superficiais e cambiantes e, portanto, desimportantes, e penetrar no mundo encantado do
eterno.
Isso só se faz com livros. A base, o conhecimento necessário
para compreender o mundo, está sempre nos livros. E, na maioria dos casos, livros de há muito
tempo. Os grandes clássicos são
aqueles que penetram e definem
a essência -e, depois deles, todo o resto é comentário. Parece
contra-senso, mas o único modo
de entender o que acontece à sua
volta é lendo Platão, Aristóteles,
Santo Agostinho, Maquiavel,
Hobbes, Locke, Rousseau, Marx,
Nietszche; Sófocles, Eurípides,
Ovídio, Shakespeare, Dante, Camões, Cervantes, Dostoiévski,
Tolstoi e tantos, tantos outros.
Essas penas entenderam o mundo, ou um pedaço dele, ou -talvez mais difícil- uma parte da
infindável e insondável essência
daquilo que se convencionou
chamar de alma humana. E foram gentis o suficiente para deixar-nos o legado de sua miséria.
Pra quem busca realmente situar-se na vida, não há outro caminho. Deixar de ler as dezenas
de jornais e revistas e usar o tempo para ler algo de mais revelador é o único conselho -feitas
todas as ressalvas supracitadas- que este escriba daria. E
não se preocupe com a perda do
outro lado, pois o mundo das informações é mais simples do que
parece. Lendo só a Folha, já basta. (Aeh, fiz o meu comercial.)
Gustavo Ioschpe, 22, é escritor; e-mail:
desembucha@cyberdude.com
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