São Paulo, Segunda-feira, 16 de Agosto de 1999
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De alienações, verdadeiras e presumidas

GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha

Diz a sabedoria popular que, se conselho fosse bom, não sairia de graça. A despeito desse vox populi e das reiteradas tentativas do signatário de revelar que não conhece o sendero luminoso, não diminui o número de e-mails de gente pedindo dicas de como alcançar o sucesso.
Uma constante desses pedidos são as amostras de que se está bem-informado. É gente que lê cinco jornais diários, quatro revistas semanais, mais umas dez mensais e que está a todo o tempo vendo os noticiários da TV e checando a Internet. É o que se chama aqui -na terra onde qualquer patologia tem legiões de adeptos-malucos-praticantes- de "information junkie". Ou, sei lá, informaconheiro, numa tradução pra lá de livre.
A crença de que informação é poder (e poder é dinheiro, e dinheiro é sucesso) está bem arraigada, me parece, tanto aqui quanto aí. Faz sentido. Em uma sociedade fugaz, em que valores, ícones e movimentos são criados, requentados, reciclados e expelidos a cada primavera, parece haver uma necessidade premente de saber qual é a onda do momento, para não perder a viagem. Assim, fica-se nessa marola, pulando de onda em onda, sempre tentando chegar à arrebentação, que deveria ficar mais perto a cada onda que se passa, mas que acaba sempre ficando tão longe quanto sempre esteve. E o pior de tudo é que agora -e cada vez mais daqui para a frente- a quantidade de informação disponível, com a difusão da Internet e de uma cultura que se quer globalizada, chega às raias do infinito. O que antes era marola que se pulava com um pé só virou um tubo de Pipeline e o risco de afogamento, proibitivo. Já ouvi de um expert em informática que se produziu mais informação nos últimos dez anos -agora que qualquer maníaco da vida pode montar a sua homepage e discorrer por páginas e páginas sobre a importância da construção dos aviõezinhos de papel para a satisfação dos eunucos- do que em toda a história da humanidade até então.
O segredo para evitar o caldo, como sabe qualquer surfista, é mergulhar. Descer alguns níveis e aí, sim, passar de qualquer arrebentação sem ter de se preocupar com o tamanho ou a cor das ondas lá de cima. Ou, como dizia Platão, chegar às Formas, aquilo que é pereno e imutável. O Belo, o Verdadeiro, o Justo. Deixar de lado o mundo das opiniões, essas sempre superficiais e cambiantes e, portanto, desimportantes, e penetrar no mundo encantado do eterno.
Isso só se faz com livros. A base, o conhecimento necessário para compreender o mundo, está sempre nos livros. E, na maioria dos casos, livros de há muito tempo. Os grandes clássicos são aqueles que penetram e definem a essência -e, depois deles, todo o resto é comentário. Parece contra-senso, mas o único modo de entender o que acontece à sua volta é lendo Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, Marx, Nietszche; Sófocles, Eurípides, Ovídio, Shakespeare, Dante, Camões, Cervantes, Dostoiévski, Tolstoi e tantos, tantos outros. Essas penas entenderam o mundo, ou um pedaço dele, ou -talvez mais difícil- uma parte da infindável e insondável essência daquilo que se convencionou chamar de alma humana. E foram gentis o suficiente para deixar-nos o legado de sua miséria.
Pra quem busca realmente situar-se na vida, não há outro caminho. Deixar de ler as dezenas de jornais e revistas e usar o tempo para ler algo de mais revelador é o único conselho -feitas todas as ressalvas supracitadas- que este escriba daria. E não se preocupe com a perda do outro lado, pois o mundo das informações é mais simples do que parece. Lendo só a Folha, já basta. (Aeh, fiz o meu comercial.)


Gustavo Ioschpe, 22, é escritor; e-mail: desembucha@cyberdude.com


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