São Paulo, segunda-feira, 17 de dezembro de 2001

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GRRRL

Garotas nervosas porém divertidas

Le Tigre defende engajamento com senso de humor

FERNANDA MENA

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Kathleen Hanna, ex-líder do Bikini Kill, banda ícone do movimento "riot grrrl" dos anos 90, resolveu atenuar sua paranóia didática e panfletária e assumir que diversão fazia parte de sua ideologia, surgiu o Le Tigre.
O trio nova-iorquino reuniu ainda a videomaker Sadie Benning (depois substituída pelo andrógino DJ Samson) e a produtora de fanzines Johanna Fateman em uma cruzada musical engraçada, inteligente, punk, retrô e, é claro, política. "Le Tigre", o álbum de estréia, é a trilha perfeita para qualquer festa caseira e chega agora ao Brasil. Música engajada e feminista sem perder o senso de humor.
"Já houve muito conflito. Os homens se sentiam ameaçados com a nossa atitude. Mas o Le Tigre não é só para garotas. Mas, sim, especialmente para elas", disse Johanna, por telefone, ao Folhateen. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Folha - Como montar uma banda com uma videomaker, uma produtora de fanzines e uma riot grrrl?
Johanna Fateman -
Bem... (risos) Somos muito amigas e temos interesses e idéias em comum a respeito de cultura underground, feminismo e arte experimental. Nossa reunião aconteceu não só pela música mas por uma sensibilidade compartilhada. Como nossa proposta se tornou musical, conseguimos descobrir uma série de metáforas musicais para idéias visuais e literárias.

Folha - Por que adotaram uma estética new wave?
Johanna -
O new wave foi uma grande influência para nós. Os movimentos punk e new wave permitiram às mulheres transgredir tradições machistas. E nós fomos formadas por esses dois elementos. O forte da banda é o experimentalismo com instrumentos eletrônicos.

Folha - Por que misturar ativismo político com música?
Johanna -
Para nós isso não é uma escolha, mas um reflexo de quem somos. É isso o que faz sentido para nós e é o que queremos fazer.

Folha - Como administrar cólera ativista e senso de humor?
Johanna -
É difícil. As pessoas acham que música política deve soar agressiva e raivosa. Para nós, ser político é ser multidimensional e criativo, é ter humor e construir uma linha de comunicação. É importante mudar esse estereótipo.

Folha - Quais são as intenções do Le Tigre ao tratar de feminismo?
Johanna -
Partimos do princípio de desmitificação da música e da participação de mulheres, para que elas sintam que são parte da cultura contemporânea e que devem tomar seu espaço e seu público. Queremos inspirar outras mulheres a fazer música e a experimentar artisticamente. O mundo pop não tem proporcionado ao público algo verdadeiro, e é isso o que queremos. Fazemos as músicas que gostaríamos de ouvir.

Folha - Quais são as preocupações do feminismo no mundo atual?
Johanna -
Na verdade, acho que as questões não mudaram muito nos últimos 30 anos. Ainda estamos lutando por coisas básicas.

Folha - A mensagem feminista do Le Tigre pode ter grande alcance em um país conservador como o Brasil?
Johanna -
Sexismo existe em todos os países. O fato de ele ser expresso de forma mais intensa em alguns lugares é sempre desencorajador para as mulheres. Fica difícil desenvolver auto-estima. Se olharmos para a estrutura do sexismo, veremos que ele é igual em qualquer lugar. Expressão de sexismo, homofobia ou preconceito racial é sempre horrível e desencorajador para os jovens, que se sentem isolados. Mas é difícil... Não sei muito sobre o Brasil.

Folha - O que você sabe?
Johanna -
Bem, sei que é um país latino-americano...

Folha - É um começo.
Johanna -
(risos) Soube que temos fãs aí e fiquei muito surpresa. É incrível! Espero tocar no Brasil logo.

Folha - Como são seus shows?
Johanna -
Ah, são muito divertidos. Nosso público normalmente é composto por 70% de mulheres. E as pessoas dançam muito.

Folha - No Brasil, a pequena cena de bandas feministas é bem próxima do universo gay. Como é em Nova York?
Johanna -
De certa forma, é assim também. O feminismo está ligado à cena lésbica conceitualmente. Ser uma mulher oprimida tem a ver com um determinado comportamento sexual. Muitas de nossas fãs e amigas são lésbicas. Por outro lado, a cena indie, que é basicamente heterossexual, tem estado muito próxima de nós. Temos os dois.

Folha - Uma canção do Le Tigre chama o prefeito de NY, Giuliani, de "bundão". O que mudou depois de 11 de setembro?
Johanna -
Em 11 de setembro, Giuliani agiu com compaixão e competência. Muita gente passou a confiar nele. Estamos felizes por ele ter sido um bom líder, mas isso não muda o fato de ele ter formado um departamento de polícia racista e brutal. Nada muda o fato de ele ter arruinado a cidade por oito anos.


Para ouvir músicas do Le Tigre, ligue para: 0/xx/11/3471-4000 e escolha as opções Música - Pop. Custo, só o da ligação.



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