São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

Próximo Texto | Índice

SP 450

Outros olhares

Internos da Febem e jovens de periferia mostram a sua SP

MARCOS DÁVILA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

No topo do edifício do Banespa, um dos arranha-céus mais altos do centro da cidade de São Paulo, oito jovens disparam suas máquinas fotográficas boquiabertos diante do panorama nunca antes experimentado.
"Eu vi outro mundo. Nunca tinha visto essa paisagem da cidade de longe, com os prédios pequenos. Deu uma sensação de liberdade", afirma Julio, 17, que cumpre regime de semi-internato na unidade da Febem do Belém. Ao lado de outros 14 adolescentes na mesma condição, Julio vai expor suas fotos na mostra "Jovens da Febem Revelam SP", em cartaz, a partir do dia 25, no Conjunto Cultural da Caixa (praça da Sé, 111, tel. 0/xx/ 11/3107-0498).
A exposição, que vai contar com 25 fotos clicadas por semi-internos da Febem, faz parte de um projeto desenvolvido desde 99 pelo fotógrafo João Kulcsar. "O objetivo é a alfabetização visual dos jovens, para que eles possam se expressar por meio da fotografia e desenvolver um olhar crítico das imagens", explica Kulcsar.
O projeto visa a capacitar monitores da Febem para que eles repassem o conhecimento aos internos. Os adolescentes que se destacarem nas aulas básicas têm a chance de fazer outro curso, voltado especificamente para o trabalho em laboratórios e estúdios fotográficos.
O ex-interno Fábio Zara, 21, é o melhor exemplo da reintegração social proporcionada pelos cursos. Ele se apaixonou pela fotografia durante as aulas de Kulcsar e, ao ganhar a liberdade, no ano passado, foi convidado pelo fotógrafo para ser seu assistente e começou a trabalhar profissionalmente.
"O mundo de quem está no crime é muito pequeno. Todos os seus amigos roubam e usam drogas. Antes, eu vivia somente nos arredores do meu bairro, em São Mateus. E tem tanta coisa no mundo... Eu me arrependo de não ter descoberto isso antes", afirma Zara, que acredita que, além das oficinas, o que falta aos jovens da Febem é oportunidade de emprego.
"Sempre que tinha festa em casa, eu pedia para tirar as fotos", afirma Edson, 17, outro jovem que vai participar da exposição e que não mede esforços para achar um bom ângulo ao fotografar o centro antigo de São Paulo.
"O pessoal acha graça porque eu subo nos lugares e chego até a deitar no chão, quando estou fotografando", diz.
Há dois meses na Febem, Edson espera uma decisão do juiz para voltar à liberdade. "O curso está me ajudando porque sou avaliado o tempo todo. É um ponto positivo no meu relatório que vai para o juiz", diz o jovem, que agora sonha em ter um laboratório de fotos.


Próximo Texto: Visões de uma São Paulo escondida
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.