São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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02 neurônio

Por que somos ridículas

JÔ HALLACK
NINA LEMOS
RAQ AFFONSO
COLUNISTAS DA FOLHA

Duas vezes por ano, a equipe do "02 Neurônio" surta. Tudo bem, surtamos outras vezes também, mas por outros motivos. Os surtos de janeiro e o de junho são muito graves porque são fúteis. É o surto da moda, que se apodera do nosso ser. Nesses meses, todos os anos, acontecem os desfiles. E também acontecem as liqüidações. Liqüidação e desfile ao mesmo tempo é muita informação. Resultado: no ano passado, duas de nós quase brigaram com uns gringos que compravam quase todas as peças da liqüidação do Alexandre Herchcovitch.
Por que isso acontece?

Porque somos ridículas

  Ser levada por tendência de moda é ser vítima de uma indústria capitalista nojenta. A idéia é esta: se você comprou uma calça verde-limão, só vai poder usá-la duas vezes, porque, no ano que vem, ela vai estar datada. Isso faz com que a gente gaste toneladas de dinheiro. E lote os guarda-roupas com peças inúteis.
  Também significa que não temos, assim, uma personalidade tãããão forte, pois deixamos que um gringo qualquer mande na gente. Sim, eles inventam o que é a tal tendência, e a gente segue. Como vacas. Péssimo. E isso tudo vai contra os ideais punks que cultivamos desde a infância. Mas não adianta... É só ver um desfile do nosso estilista predileto para termos vontade de gritar: eu quero! E uma placa escrito "sale" (assim mesmo, em inglês) pode ser mais poderosa do que um telefonema de um pretê. Por quê? Ora, porque nós somos ridículas.
  E a maior prova do nosso ridículo é comprar uma peça que achávamos horrenda até alguns meses atrás só porque agora ela faz parte do revival. Por isso, se você vir alguém do "02 Neurônio" usando pochete e dizendo que é cinto utilitário, pode jogar tomate no meio da rua!

Por que não somos ridículas

  A vida é dura demais. Já aprendemos coisas cruéis do estilo "príncipe encantado não existe, e um dia a gente vai morrer". Além dessas coisas horríveis, ainda temos de trabalhar todos os dias para pagar as nossas contas. E, quando saímos para nos divertir, temos desgostos, como encontrar bandos de playboys que puxam cabelo ou de gays misóginos que nos chamam de rachas. Ter um pouco de futilidade não faz mal a ninguém. E até o Caio Fernando Abreu, ídolo, dizia que futilidade é matéria de salvação. E nós acreditamos nisso. Por quê? Ah, porque não somos ridículas coisa nenhuma!
  Bom, uma boa desculpa para se auto-enganar quando se está comprando alguma roupa de que vai se arrepender depois é pensar: eu estou ajudando a movimentar a indústria têxtil do país. E, indiretamente, estou gerando emprego e riquezas! E uma pessoa assim não poderia ser considerada ridícula!

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