|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
02 neurônio
Por que somos ridículas
JÔ HALLACK
NINA LEMOS
RAQ AFFONSO
COLUNISTAS DA FOLHA
Duas vezes por ano, a equipe do "02
Neurônio" surta. Tudo bem, surtamos outras vezes também, mas por outros motivos. Os surtos de janeiro e o de junho são muito graves porque são fúteis. É o surto da moda, que se apodera
do nosso ser. Nesses meses, todos os
anos, acontecem os desfiles. E também
acontecem as liqüidações. Liqüidação e
desfile ao mesmo tempo é muita informação. Resultado: no ano passado,
duas de nós quase brigaram com uns
gringos que compravam quase todas as
peças da liqüidação do Alexandre
Herchcovitch.
Por que isso acontece?
Porque somos ridículas
Ser levada por tendência
de moda é ser vítima de uma
indústria capitalista nojenta. A
idéia é esta: se você comprou
uma calça verde-limão, só vai
poder usá-la duas vezes, porque, no ano que vem, ela vai estar datada. Isso faz com que a
gente gaste toneladas de dinheiro. E lote os guarda-roupas
com peças inúteis.
Também significa que não temos,
assim, uma personalidade tãããão forte,
pois deixamos que um gringo qualquer
mande na gente. Sim, eles inventam o
que é a tal tendência, e a gente segue.
Como vacas. Péssimo. E isso tudo vai
contra os ideais punks que cultivamos
desde a infância. Mas não adianta... É só
ver um desfile do nosso estilista predileto para termos vontade de gritar: eu
quero! E uma placa escrito "sale" (assim
mesmo, em inglês) pode ser mais poderosa do que um telefonema de um pretê. Por quê? Ora, porque nós somos ridículas.
E a maior prova do nosso ridículo é
comprar uma peça que achávamos horrenda até alguns meses atrás só porque
agora ela faz parte do revival. Por isso,
se você vir alguém do "02 Neurônio"
usando pochete e dizendo que é cinto
utilitário, pode jogar tomate no meio da
rua!
Por que não somos ridículas
A vida é dura demais. Já aprendemos
coisas cruéis do estilo "príncipe encantado não existe, e um dia a gente vai
morrer". Além dessas coisas horríveis,
ainda temos de trabalhar todos os dias
para pagar as nossas contas. E, quando
saímos para nos divertir, temos desgostos, como encontrar bandos de playboys que puxam cabelo ou de gays misóginos que nos chamam de rachas. Ter
um pouco de futilidade não faz mal a
ninguém. E até o Caio Fernando Abreu,
ídolo, dizia que futilidade é matéria de
salvação. E nós acreditamos nisso. Por
quê? Ah, porque não somos ridículas
coisa nenhuma!
Bom, uma boa desculpa para se auto-enganar quando se está comprando
alguma roupa de que vai se arrepender
depois é pensar: eu estou ajudando a
movimentar a indústria têxtil do país. E,
indiretamente, estou gerando emprego
e riquezas! E uma pessoa assim não poderia ser considerada ridícula!
Texto Anterior: Lixo virtual domina a internet Próximo Texto: Game On: O fantasma que começa a virar realidade Índice
|