São Paulo, Segunda-feira, 19 de Abril de 1999
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Essa molecada precisa se coçar


ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha

Bem informado sobre o comércio de CDs em São Paulo, Lúcio Ribeiro, da Ilustrada, me conta que o álbum do Looper, "Up a Tree", é o mais procurado nas importadoras e já virou cult.
Explica-se: Looper é o projeto paralelo de Stuart David, baixista do Belle and Sebastian, banda que, apesar de independente, tem uma legião de admiradores mundo afora. São corações solitários, desajustados em geral, que vêem no Belle and Sebastian o mesmo que os Smiths representaram nos anos 80 (tipo "só eles me entendem").
Looper foi recomendado nesta coluna e depois, também, pela Ilustrada.
Por um lado, é ótimo saber que num fim de mundo como este haja público para sons tão incomuns, que são "alternativos" mesmo em seus países de origem.
Só que essa busca também incomoda: por que esses caras não se coçam, por que não compram CD pela Internet, por que ficam na mão de importadoras que sempre cobraram preços absurdos e agora, com a desvalorização do real, estão ganhando ainda mais?
Looper saiu pela gravadora americana SubPop. É só ir à www.subpop.com. Está lá: o CD custa US$ 12, mais uns US$ 5 de correio. E ainda vem com pôster grátis! No total, sai por R$ 29 - caro, mas não tanto quanto as lojas cobram. Sem falar que, se pedir um CD só, passa direto na alfândega e chega em uma semana.
Mas esta coluna não é sobre o Looper. É sobre gente que não se mexe.
De vez em quando me chamam para falar em faculdades. Sempre alguém pergunta: você poderia indicar alguma revista boa em português? A resposta é "não, não posso, se você quer ler revistas legais, aprenda inglês, e, se não sabe inglês, vai acabar aprendendo de tanto ler as revistas".
Revista independente no Brasil não presta porque o mercado é mínimo e, para você botar algo na banca com papel bacana e textos inteligentes (escritos por gente que cobra caro), só há dois caminhos:
1) descolar um milionário que esteja a fim de lavar dinheiro e banque seu projeto;
2) puxar o saco e lamber as botas de empresários que anunciam na sua revista em troca de matérias favoráveis.
Na minha época, jovem leitor, não havia Internet, quase não se encontravam publicações importadas nas bancas. Durante um bom tempo, não existia nem videocassete! Escutar inglês, só se pintasse algum gringo de intercâmbio na casa de amigos; senão, só no cinema mesmo, tentando não ler as legendas.
Quem é jovem hoje e não sabe inglês devia afundar a cabeça na terra de vergonha. Vai passar o resto da vida dependendo de uma língua morta -inculta e bela, sim, mas morta- chamada português.
Sei, revistas importadas custam muito caro, nem todo mundo tem acesso a computador. Mas eu recebo cartas de leitores que moram na periferia da periferia de São Paulo e são mais bem-informados e entendem 200 vezes mais de música do que eu.
Quer dizer: quem tem vontade corre atrás, lê na biblioteca, pega revista do amigo do amigo, aprende inglês de tanto assistir à Cartoon Network.
Em vez de ficar procurando revistas legais no Brasil, enfie de vez uma coisa na cabeça: este é um país periférico, isolado, nossa língua só é falada em "bananões", tudo o que é feito aqui está condenado à desimportância ou à mera fama paroquial.
Levante as antenas, ligue o radar. O Brasil é muito bom para a gente se divertir, mas quem faz revistas, filmes e CDs bacanas são os gringos. Pode ser duro, mas é simples assim.

cd player
Programa "De Noite na Cama"
Nas madrugadas da TV a cabo, Monique Evans guia um exército de insones por uma espécie de era pós-moral, em que orgias e dupla penetração anal formam um amálgama além dos juízos de valor.

"The Space Between Us", Craig Armstrong
Belo CD do selo Melankolic, do pessoal do Massive Attack. O problema é que, às vezes, é "belo" demais, resvalando num tom "sinfônico": lamentáveis memórias do rock progressivo.

Engenheiros gravam Supertramp
Um amigo informa que os Engenheiros gravaram uma versão em português de "Logical Song", do Supertramp. Nada é tão ruim quanto Engenheiros, e pouca coisa é tão medonha quanto Supertramp.


Álvaro Pereira Júnior, 36, é chefe de Redação do "Fantástico" em São Paulo

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