São Paulo, Segunda-feira, 19 de Abril de 1999
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quadrinhos
Frank Miller vai à Grécia

THALES DE MENEZES
da Reportagem Local

Frank Miller está feliz. O motivo? Ter 42 anos e poder fazer aquilo que gosta, sendo bem pago por isso. "Quase ninguém da minha turma da escola conseguiu", diz o mais badalado criador de quadrinhos das últimas duas décadas.
Em 1986, ele escreveu e desenhou a minissérie "Batman - O Cavaleiro das Trevas", revigorando completamente o personagem. A obra é presença obrigatória em qualquer lista de melhores gibis de todos os tempos e consagrou Miller. Deu a ele prestígio suficiente para desenhar o que quiser. A partir daí, ele só fez coisas bacanas.
Sua última obra-prima chega às bancas brasileiras no dia 10/5. É "Os 300 de Esparta", minissérie editada pela Abril Jovem. Em cinco números, Miller narra um episódio ocorrido em 480 a.C., quando legiões persas invadiram a Grécia. Uma guarda de 300 homens, liderada por Leônidas, resiste ao ataque bravamente.
Apesar do ódio declarado que sente por fotografias e entrevistas, Frank Miller falou com exclusividade à Folha, por telefone, da casa de amigos em San Diego. Antes de pegar um avião para Maryland, sua cidade natal, o autor falou de Batman, do mercado de quadrinhos e de seus heróis espartanos.

Folha - Por que fazer um gibi com soldados gregos?
Frank Miller -
Porque é uma aventura heróica. Acho que gosto mais de histórias em que os personagens sejam gente comum, sem poderes ou uniformes. Gente que seja levada a atos de bravura, como aqueles soldados.
Folha - Você fez muita pesquisa sobre o período?
Miller -
Sim, mas confesso que a verdadeira inspiração veio de um filme meio vagabundo, que não respeitou muito a história verdadeira. Chama-se "Os 300 de Esparta" e é um daqueles filmes de gladiadores feitos nos anos 60. Assisti na TV e gostei da história. Só depois vi que tudo ocorreu de um jeito bem diferente. Mas não estou dizendo que a minha versão seja fiel aos fatos. Ora, eu fiz um gibi, não um trabalho acadêmico.
Folha - No que você está trabalhando agora?
Miller -
Nunca falo de coisas que ainda não terminei. Tenho projetos novos. E trabalho em mais histórias para "Sin City".
Folha - Que é um gibi sobre gente comum. Você deu um adeus definitivo aos super-heróis?
Miller -
Não. Mas, se você fala de personagens consagrados, como os da DC e da Marvel, acho difícil que eu faça qualquer trabalho com eles. Tenho algumas idéias apenas para personagens da Dark Horse, a editora em que eu trabalho hoje. A Ghost, por exemplo, é um personagem que me fascina. Mas não há nenhum projeto concreto com heróis.
Folha - Sua principal mágoa com as grandes editoras é o fato de não ter controle sobre personagens que criou? Você rompeu com a Marvel quando foi publicado um gibi da Elektra, sua criação, sem sua aprovação, não é?
Miller -
O problema é da estrutura dessas empresas, não é do meu caso isolado. Elas pertencem a grandes corporações, que precisam vender uma série de produtos com seus personagens. Estou feliz de estar na Dark Horse, que publica uma história como "300". É um gibi que não foi feito para gerar continuações, cards, bonequinhos, desenhos animados e outras bobagens. Eu não gosto disso.
Folha - Mas não é possível esquecer tudo isso na hora de criar?
Miller -
Para mim é difícil. Acho que teria certa liberdade, mas todo mundo sabe que há criadores que foram obrigados a mudar o uniforme de um herói só para vender bonecos diferentes do personagem. Acho isso uma merda. Eu nunca comprei um boneco de herói na minha vida.
Folha - Você acha que só é possível criar bons quadrinhos fora das grandes editoras?
Miller -
Eu estou falando de mim, só isso. Eu não gosto desse esquema, mas não sou da turma que defende que os quadrinhos independentes são bons e os das grandes editoras são ruins. Apenas não é o que gosto de fazer. É comum as pessoas idolatrarem os independentes e tratarem os gibis de série como uma coisa menor. É uma estupidez. Se eu e outros autores podemos gastar meses numa minissérie, só podemos fazer isso porque existe um mercado comprador, fãs que consomem mensalmente as revistinhas de série, como os mutantes da Marvel ou os Novos Titãs da DC.
Folha - Por falar nisso, muita gente diz que as revistas mensais do Batman só existem até hoje porque você "levantou" o personagem em "O Cavaleiro das Trevas".
Miller -
Olhe, eu não gosto de falar de meus trabalhos. Acho que é por isso que não gosto de dar entrevista. Não se trata de timidez, é que realmente eu não consigo comparar o que eu faço com o trabalho dos outros. Quando olho um gibi de Alan Moore, ou John Byrne, ou qualquer autor, eu tenho uma percepção de fã. Posso falar horas sobre o trabalho deles, mas não consigo fazer o mesmo com aquilo que escrevi. Sem essa comparação, não posso falar sobre a importância do que faço. Agora, falando do Batman, acho que a continuidade do personagem nunca dependeu de mim. Batman é um herói tão bom que sempre resistirá aos caprichos do mercado. Ele já teve dezenas de roteiristas e desenhistas, além de uma série de TV ruim, de desenhos animados ruins e de filmes ruins. Mas ele é imbatível.
Folha - Não há pelo menos um trabalho que seja seu favorito?
Miller -
Eu tenho um carinho especial por dois. "Ronin" (1982), porque foi o meu primeiro trabalho de grande fôlego. Tive medo de nunca conseguir acabá-lo. Hoje, quando desenho qualquer coisa, lembro os apuros que passei com a saga de Ronin, e tudo fica mais fácil. E gosto de "Sin City". É um sucesso para a Dark Horse, e foi o projeto com o qual provei que poderia fazer algo totalmente diferente, sem contar com personagens conhecidos.
Folha - Você acabou de falar que não gosta dos filmes com Batman. Você não aceitou fazer o roteiro para eles, mas escreveu para o Robocop. Como foi essa experiência?
Miller -
Um inferno. Eu escrevi "Robocop 2" e fiquei empolgado. Ia ao set de filmagem, tentava dar palpites. Fiz um grande esforço, de verdade. Mas aí você vê o filme na tela, e não é aquilo que você imaginou. É tanta gente envolvida, tantas etapas de produção, que é impossível ter controle total. Acho frustrante. Prefiro uma folha de papel.
Folha - Mesmo trabalhando em parceria? Como é seu relacionamento com seus parceiros?
Miller -
Só trabalho com amigos. Dave Gibbons, David Mazzucchelli, Todd McFarlane... Eu me dou bem com todos. Não somos aquele tipo de amigos que se encontram no fim do dia para tomar cerveja, mas somos amigos. É que eu não gosto de falar de quadrinhos o tempo todo.
Folha - E o que Frank Miller gosta de fazer?
Miller -
Um monte de coisas. Comer, assistir TV, nadar, fazer sexo, dormir. Sou um cara normal.


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