São Paulo, Segunda-feira, 19 de Julho de 1999
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Festival sempre foi comércio puro

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha

É um mito repetido há 30 anos: Woodstock teria sido o último ato inocente do pop. O suspiro pré-industrial de uma forma de expressão jovem que seria depois corrompida pelo monstro capitalista.
Segundo a lenda, meio milhão de maconheiros se reuniram em 1969, numa fazenda do interior do Estado de Nova York, para praticar o sexo livre e ver shows dos grandes nomes do rock. Ninguém pensava em dinheiro ou sucesso, só em paz e amor, bicho.
Tudo mentira, claro.
Woodstock foi organizado por três empresários que tinham um único objetivo: ganhar dinheiro. Eles sabiam que aquele exército de chapados, com LSD borbulhando nas veias juvenis, não era só de "filhos das flores", como eles próprios se intitulavam. Os malucos eram também filhos de pais ricos e estavam cheios de dólares nos bolsos das calças desbotadas.
Os defensores da pureza hippie alegam que não houve cobrança de entrada, que o espírito mercantilista ainda não havia tomado conta da música jovem.
Não é bem o que a história registra. Na verdade, os ingressos custavam de US$ 5 a US$ 18, valor bem alto para a época. Mas nem os promotores imaginavam que existissem tantos hippies no mundo. Quando a horda apareceu, todo mundo doidão, não houve jeito. As cercas vieram abaixo e o festival virou "de graça".
Outra lorota é que só depois de Woodstock a indústria teria acordado para o poder comercial e mobilizador do rock. Segundo essa teoria, 1969 teria sido, sem querer, o começo do fim da pureza juvenil.
Difícil acreditar. E o maior exemplo está na principal ausência de Woodstock: o já na época mítico Bob Dylan. Em vez de tocar no festival americano, ele escolheu se apresentar na ilha de Wight, Inglaterra, algumas semanas depois. Motivo: a apresentação britânica renderia um bom cachê, e em Woodstock ele teria de tocar de graça.
Os anos 60 foram um ponto de inflexão para a chamada cultura jovem. O culto aos ídolos adolescentes, meros cantores pop, foi substituído pela veneração a músicos de rock tratados como gênios, artistas de verdade que sofriam por seus fãs.
Eram esses ídolos que tocavam em Woodstock, sob a ilusão de que ali nascia uma cultura genuinamente anticapitalista. Como se, para saber sobre esses mesmos ídolos, as pessoas não tivessem de comprar revistas (e gastar dinheiro com isso). Como se não fosse preciso comprar discos (e torrar mais grana ainda).
O que os cabeludos não sabiam era que, exposta em cima do palco em Woodstock, estava à venda uma mercadoria.
Uma mercadoria chamada sinceridade.
Corrijo aqui dois erros da coluna da semana passada. O segundo álbum do Radiohead chama-se "The Bends", não "The Bands", como saiu. Quando li o jornal, pensei em ligar para a equipe de ninfas que edita o Folhateen, perguntando quem tinha sido o "gênio" que mexeu em meu texto. Mas, antes, fui conferir o original... e o erro tinha sido meu mesmo.
Outra mancada: no ""CD Player", ao lado de um texto desancando Eminem, embusteiro que é a nova sensação do rap branco americano, saiu o selo de "Pause". Nada disso. Eminem merece mesmo é "Eject".



Álvaro Pereira Júnior, 36, é chefe de Redação do "Fantástico" em São Paulo. E-mail: cby2k@uol.com.br

CD Player

"­Viva el Amor!",
Pretenders
Chrissie Hynde está de volta com seus Pretenders, para provar que é possível ser romântico sem sacarina. A faixa "Baby's Breath" tem o trecho: "Por que você me mandou essas flores?/ Guarde-as para a morte de alguém".

"Carboot Soul",
Nightmares on Wax
A capa parece de uma banda de psychobilly e o nome também. Mas trata-se de um grupo inglês de trip hop, menos climático e mais chegado à soul music. Anote: www.warprecords.com.

A volta do Styx

Ressurge uma das bandas mais melosas e cheias de arranjos complicados de todos os tempos: os americanos do Styx. Com um som tão chato e inofensivo, até "Eject" é colher demais para eles.


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