São Paulo, Segunda-feira, 21 de Junho de 1999
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ELES TECEM O FUTURO
"A gente não é nada, mas pode mudar o mundo"

da Reportagem Local

Célio Pereira da Silva, 19, não tem o vírus HIV, mas a Aids mudou sua vida. Há pouco mais de um ano, o Jack, como é conhecido na favela Rocinha (zona sul do Rio de Janeiro), em que mora, entrou de cabeça em um projeto de prevenção de Aids, de outras DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e de gravidez. Hoje é um conselheiro sexual da galera local.
Tudo começou quando ele comandava um programa de rock na rádio comunitária da favela. ""O diretor do Grupo Resistência Adquirida para Prevenção de Aids com Arte na Rocinha me pediu que colocasse um anúncio deles no programa, e eu acabei me interessando em participar", diz ele.
Esse diretor, o sociólogo Murilo Mota, 34, criou o grupo há dois anos com o objetivo de fazer um trabalho de prevenção por meio da arte e do teatro. ""A gente sabe que não adianta chamar o jovem para debater a Aids. O que funciona é convocá-lo por outros meios, como o teatro e, a partir daí, colocar o assunto em pauta", diz Murilo.
Foi o que aconteceu com Jack. Até seu encontro com Murilo, ele diz que era um garoto do morro como outro qualquer. Trabalhava como balconista em uma padaria e sonhava em ""melhorar de vida e se divertir. Pensava em camisinha, mas usar, nem pensar".
"Você sabe como é aqui... Quem tem moral é traficante. Você quer ser como eles. Graças a Deus conheci um grupo que ajudou a moldar o meu caráter", diz Jack.
Com Murilo e a turma do Resistência, ele aprendeu tudo o que podia sobre sexualidade e prevenção de doenças. A partir disso, tornou-se um ""jovem multiplicador de informações". Ou seja, divide com os amigos mais próximos as informações que recebeu.
Em pouco tempo, essa rede de informação foi crescendo. Jack virou o ""consultor para assuntos sexuais" da galera jovem da Rocinha, de seu colégio e até mesmo de sua família. ""Quase matei minha tia de susto quando mostrei uma camisinha feminina para ela."
Ele conta que no começo enfrentou certo preconceito em casa, mas hoje é motivo de orgulho. ""Meus pais diziam: "A gente cria um filho com tanto cuidado pra depois ele sair por aí falando besteira"."
Hoje Jack estuda magistério e trabalha como monitor do grupo. A turma apresenta peças de teatro que discutem sexualidade e violência, temas cotidianos para quem vive em uma favela do Rio. Além disso, distribui camisinha para os jovens da Rocinha.
Para ele, descobrir o trabalho social foi a fonte de inspiração para mudar a sua vida e ajudar a dos outros. ""Isso me ajudou tanto que hoje estudo para ser professor e sonho em um dia ser sociólogo. Eu me sinto bem em saber que, mesmo que a minha contribuição seja pequena, estou fazendo a minha parte. A gente não é nada, mas pode mudar o mundo."


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