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Quem você gostaria de ser quando crescer?
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Quem é o seu ídolo? Mas ídolo mesmo,
aquela figura em quem você se espelha,
que causa uma inveja saudável, que faz você
sonhar com uma vida completamente diferente (ou seja, a vida do seu ídolo).
E não vale dar aquelas respostas-padrão, tipo "meu pai" (para pessoas normais) ou "o
Paulo Francis" (para jornalistas). Puxe pela
memória, abra o coração...
Meu ídolo não é músico, nem artista de cinema, nem escritor. Ele se chama Paul Crutzen, um cientista holandês. Como nunca ouviu falar? Para dizer a verdade, nem eu o conhecia, até a semana
passada. Mas li uma
entrevista do homem na "New
Scientist" e fiquei siderado, porque Paul
Crutzen tem uma
história absolutamente incomum de brilhantismo intelectual e
de sucesso.
Para começar, o pai de Paul Crutzen era garçom, a mãe, cozinheira de hospital. O único
parente com algum interesse em ciência era
um tio, fissurado em astronomia. Só que o
homem era mineiro de carvão, não tinha tempo nem grana para se dedicar aos astros.
Quando tentou entrar na universidade, em
Amsterdã, Crutzen ficou doente e tomou pau.
Apelou para um curso de engenharia, que na
Holanda é uma carreira de nível técnico, e não
superior.
Passou quatro anos construindo pontes, até
conhecer uma finlandesa gostosa e zarpar
com ela para a Escandinávia. Num belo dia,
viu um anúncio procurando um programador de computadores para a Universidade de
Estocolmo, na vizinha Suécia. Não entendia
nada do assunto, mas ganhou a vaga.
Em 1965, quando já tinha 32 anos, ainda
sem diploma universitário, Crutzen começou
a se interessar por modelos computacionais
para meteorologia. Cinco anos depois, finalmente formado (em matemática!), ele destrinchou a química da camada de ozônio, assunto que viraria moda quentíssima.
Detalhe um: Crutzen era autodidata em química. Detalhe dois: uma greve dos correios
atrasou a publicação do artigo, e outro cientista divulgou trabalho parecido antes dele.
Depois, em 1974, foi também Crutzen quem
percebeu que os chamados gases CFCs, usados em sprays, estavam "corroendo" a camada de ozônio. De novo, outros dois pesquisadores, com um estudo correlato, acabaram levando a fama pela descoberta.
Como se não bastasse, foi também de Crutzen a sacada do "inverno nuclear", ou seja, os
efeitos climáticos, na Terra, de um conflito
nuclear de larga escala. Só que um cientista
muito popular, Carl Sagan, gostou das teorias
de Crutzen e passou a divulgá-las. Ficou mais
famoso do que o autor original.
Essas injustiças e esquecimentos foram corrigidos só em 1995, quando Crutzen ganhou o
prêmio Nobel de Química.
Ele não guarda nenhum ressentimento, e
suas declarações são pura poesia. Cool abaixo
de zero, Paul Crutzen,
70, gênio com pinta de
açougueiro, é o ídolo
de "Escuta Aqui".
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