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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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Quem você gostaria de ser quando crescer?

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Quem é o seu ídolo? Mas ídolo mesmo, aquela figura em quem você se espelha, que causa uma inveja saudável, que faz você sonhar com uma vida completamente diferente (ou seja, a vida do seu ídolo).
E não vale dar aquelas respostas-padrão, tipo "meu pai" (para pessoas normais) ou "o Paulo Francis" (para jornalistas). Puxe pela memória, abra o coração...
Meu ídolo não é músico, nem artista de cinema, nem escritor. Ele se chama Paul Crutzen, um cientista holandês. Como nunca ouviu falar? Para dizer a verdade, nem eu o conhecia, até a semana passada. Mas li uma entrevista do homem na "New Scientist" e fiquei siderado, porque Paul Crutzen tem uma história absolutamente incomum de brilhantismo intelectual e de sucesso.
Para começar, o pai de Paul Crutzen era garçom, a mãe, cozinheira de hospital. O único parente com algum interesse em ciência era um tio, fissurado em astronomia. Só que o homem era mineiro de carvão, não tinha tempo nem grana para se dedicar aos astros.
Quando tentou entrar na universidade, em Amsterdã, Crutzen ficou doente e tomou pau. Apelou para um curso de engenharia, que na Holanda é uma carreira de nível técnico, e não superior.
Passou quatro anos construindo pontes, até conhecer uma finlandesa gostosa e zarpar com ela para a Escandinávia. Num belo dia, viu um anúncio procurando um programador de computadores para a Universidade de Estocolmo, na vizinha Suécia. Não entendia nada do assunto, mas ganhou a vaga.
Em 1965, quando já tinha 32 anos, ainda sem diploma universitário, Crutzen começou a se interessar por modelos computacionais para meteorologia. Cinco anos depois, finalmente formado (em matemática!), ele destrinchou a química da camada de ozônio, assunto que viraria moda quentíssima.
Detalhe um: Crutzen era autodidata em química. Detalhe dois: uma greve dos correios atrasou a publicação do artigo, e outro cientista divulgou trabalho parecido antes dele.
Depois, em 1974, foi também Crutzen quem percebeu que os chamados gases CFCs, usados em sprays, estavam "corroendo" a camada de ozônio. De novo, outros dois pesquisadores, com um estudo correlato, acabaram levando a fama pela descoberta.
Como se não bastasse, foi também de Crutzen a sacada do "inverno nuclear", ou seja, os efeitos climáticos, na Terra, de um conflito nuclear de larga escala. Só que um cientista muito popular, Carl Sagan, gostou das teorias de Crutzen e passou a divulgá-las. Ficou mais famoso do que o autor original.
Essas injustiças e esquecimentos foram corrigidos só em 1995, quando Crutzen ganhou o prêmio Nobel de Química.
Ele não guarda nenhum ressentimento, e suas declarações são pura poesia. Cool abaixo de zero, Paul Crutzen, 70, gênio com pinta de açougueiro, é o ídolo de "Escuta Aqui".

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