|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Jovens ocupam shoppings e reclamam da falta de opções
A praça é nossa
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
As patricinhas podem ser (ainda) as donas dos cartões de crédito que caem
nas contas gordas dos papais. Mas seu
templo sagrado do consumo -o shopping center- já foi dominado por outras
tribos que, apesar de não utilizá-lo para
compras, ocuparam esse espaço para atividades comuns a qualquer jovem: reunir-se com os amigos e divertir-se.
A variedade de jovens das classes média
baixa, média e alta é tamanha que a reportagem do Folhateen visitou dez shoppings de São Paulo e encontrou oito galeras diferentes neles. Além das óbvias patricinhas e dos mauricinhos, há manos,
grupos GLS (sigla para gays, lésbicas e
simpatizantes), skatistas, góticos, roqueiros, clubbers e até punks.
A tribo mais articulada é a GLS. Há um
ano e meio, um pequeno grupo começou
a se reunir, todas as segundas, no final de
tarde, na praça de alimentação do shopping Tatuapé. O encontro, batizado de
"gay hour" (uma paródia à happy hour
dos executivos), cresceu no boca-a-boca
e rola com o aval do shopping.
Punks e góticos encontram-se aos sábados na área externa do shopping West
Plaza. Já os clubbers, que têm como meca
a galeria Ouro Fino, arriscam-se em grandes shoppings, mas sem fidelidade.
Alguns jovens disseram gostar de shoppings e outros reclamam que recorrem a
eles por falta de opção.
Diversidade controlada
As cidades sempre tiveram espaços para
ver e ser visto. E o shopping é um espaço
fabricado também para isso. Tomou o lugar da praça pública e confinou a vida social a um lugar fechado.
Para o antropólogo Everardo Rocha, 51,
professor da PUC-RJ, o adolescente vai ao shopping porque ali pode estar com o seu
grupo e porque, nesse local, ele
tem autonomia -pode ir sem
os pais. Para ele, não é estranho
que se utilize um lugar de compras para diversão. "No mundo
contemporâneo, consumo e entretenimento são quase a mesma
coisa. Entretenimento é um tempo
de prazer que a gente compra", explica.
Luis Carlos Costa, 68, professor de
planejamento urbano da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), da USP, destaca que o shopping caiu no gosto de parte da população por reunir acessibilidade,
diversidade de atividades comerciais, conforto ambiental, higiene e
segurança. "Essa ilha de tranquilidade aparente precisou ser criada
artificialmente para que as pessoas
saíssem do universo de imprevisibilidade da rua para as garantias do
shopping."
Para ele, é importante que o jovem perceba que o shopping é um espaço limitado. "Primeiro, porque o público do shopping é limitado. Há uma clara seleção social e econômica de frequentadores. Depois, o repertório de atividades culturais
que estão ali também é empobrecido. É
um refúgio artificial, controlado e homogêneo que não coloca as pessoas em contato com os grandes temas da sociedade
atual", explica.
É por isso que o jovem que frequenta os
shoppings só pode assistir aos blockbusters que estão em cartaz nos cinemas dali,
só pode conhecer coleguinhas parecidos
ou iguais a ele e fica de fora de toda a diversidade social e cultural que rola numa
cidade grande como São Paulo.
"Com isso, caminhamos para um futuro de maior exclusão", avalia Costa.
Para a secretária Nacional de Programas Urbanos, Raquel Rolnik, 46, é ilusório pensar que há várias tribos nos shoppings. "Não há punks de verdade, da periferia, num shopping. Os seguranças nem
os deixariam entrar", diz.
"O espaço da rua e da praça está definhando e morrendo enquanto o shopping é valorizado -o que condena ainda
mais o espaço público", diz. "O shopping
é uma tentativa de recriar o espaço público como um cenário. Um bom exemplo
disso é o nome "praça de alimentação". Só
que ali, toda a riqueza da rua é reduzida a
uma função: consumir. É um espaço que
gera empobrecimento cultural, político e
social", conclui.
Texto Anterior: Música: O caminho das pedras Próximo Texto: Panorâmica: Alunos negros têm notas piores Índice
|