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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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Jovens ocupam shoppings e reclamam da falta de opções

A praça é nossa

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

As patricinhas podem ser (ainda) as donas dos cartões de crédito que caem nas contas gordas dos papais. Mas seu templo sagrado do consumo -o shopping center- já foi dominado por outras tribos que, apesar de não utilizá-lo para compras, ocuparam esse espaço para atividades comuns a qualquer jovem: reunir-se com os amigos e divertir-se.
A variedade de jovens das classes média baixa, média e alta é tamanha que a reportagem do Folhateen visitou dez shoppings de São Paulo e encontrou oito galeras diferentes neles. Além das óbvias patricinhas e dos mauricinhos, há manos, grupos GLS (sigla para gays, lésbicas e simpatizantes), skatistas, góticos, roqueiros, clubbers e até punks.
A tribo mais articulada é a GLS. Há um ano e meio, um pequeno grupo começou a se reunir, todas as segundas, no final de tarde, na praça de alimentação do shopping Tatuapé. O encontro, batizado de "gay hour" (uma paródia à happy hour dos executivos), cresceu no boca-a-boca e rola com o aval do shopping.
Punks e góticos encontram-se aos sábados na área externa do shopping West Plaza. Já os clubbers, que têm como meca a galeria Ouro Fino, arriscam-se em grandes shoppings, mas sem fidelidade.
Alguns jovens disseram gostar de shoppings e outros reclamam que recorrem a eles por falta de opção.

Diversidade controlada
As cidades sempre tiveram espaços para ver e ser visto. E o shopping é um espaço fabricado também para isso. Tomou o lugar da praça pública e confinou a vida social a um lugar fechado.
Para o antropólogo Everardo Rocha, 51, professor da PUC-RJ, o adolescente vai ao shopping porque ali pode estar com o seu grupo e porque, nesse local, ele tem autonomia -pode ir sem os pais. Para ele, não é estranho que se utilize um lugar de compras para diversão. "No mundo contemporâneo, consumo e entretenimento são quase a mesma coisa. Entretenimento é um tempo de prazer que a gente compra", explica.
Luis Carlos Costa, 68, professor de planejamento urbano da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), da USP, destaca que o shopping caiu no gosto de parte da população por reunir acessibilidade, diversidade de atividades comerciais, conforto ambiental, higiene e segurança. "Essa ilha de tranquilidade aparente precisou ser criada artificialmente para que as pessoas saíssem do universo de imprevisibilidade da rua para as garantias do shopping."
Para ele, é importante que o jovem perceba que o shopping é um espaço limitado. "Primeiro, porque o público do shopping é limitado. Há uma clara seleção social e econômica de frequentadores. Depois, o repertório de atividades culturais que estão ali também é empobrecido. É um refúgio artificial, controlado e homogêneo que não coloca as pessoas em contato com os grandes temas da sociedade atual", explica.
É por isso que o jovem que frequenta os shoppings só pode assistir aos blockbusters que estão em cartaz nos cinemas dali, só pode conhecer coleguinhas parecidos ou iguais a ele e fica de fora de toda a diversidade social e cultural que rola numa cidade grande como São Paulo.
"Com isso, caminhamos para um futuro de maior exclusão", avalia Costa.
Para a secretária Nacional de Programas Urbanos, Raquel Rolnik, 46, é ilusório pensar que há várias tribos nos shoppings. "Não há punks de verdade, da periferia, num shopping. Os seguranças nem os deixariam entrar", diz.
"O espaço da rua e da praça está definhando e morrendo enquanto o shopping é valorizado -o que condena ainda mais o espaço público", diz. "O shopping é uma tentativa de recriar o espaço público como um cenário. Um bom exemplo disso é o nome "praça de alimentação". Só que ali, toda a riqueza da rua é reduzida a uma função: consumir. É um espaço que gera empobrecimento cultural, político e social", conclui.

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