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free way
Esquilos daqui não gorjeiam como os de lá
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Dia destes estava em Washington e, passando em frente ao Capitólio -o Congresso daqui- ,
notei uma massa de protestantes. Manifestou-se o meu lado
"se hay gobierno, soy contra" e
fui dar uma olhada no que bradavam.
Não era um grupo de desempregados pedindo a ajuda do tio
Sam nem de empresários enchendo o saco do governo nem
mesmo de mulheres mal-amadas pedindo que o presidente
Clinton lhes desse, enfim, o tratamento que dispensa às estagiárias. Eram, isso, sim, umas
200 ou 300 pessoas empunhando bandeiras e cartazes, protestando contra a morte de um bispo guatemalteco ocorrida poucos dias atrás.
Não sabia muito bem os detalhes da história. Descobri depois
-assim por alto, que a Guatemala tende a interessar tanto
quanto horário eleitoral do Partido Verde- que o religioso era
o símbolo da luta contra a tirania da república bananeira e que
havia sido morto, de forma brutal (fizeram-no assistir ao Zagallo explicando seu sistema tático
durante dias), por milícias ligadas ao governo e supostamente
apoiadas pelos Estados Unidos.
Algo a ver com a escola militar
conhecida aqui como SAS,
School of the Americas, a qual
um protestante da escadaria do
Congresso gritava, sobre as tamancas, ser na verdade a School
of the Assassins.
Por mais que houvesse uma ligação entre o guatema lteco
morto e os americanos -e pode
ser que haja mesmo-, é incrível
que um grupo de cidadãos, supostamente em pleno domínio
de suas faculdades mentais e
com uma ocupação na vida, tenha usado de seu tempo, energia
e cordas vocais para aporrinhar
seus representantes sobre assunto tão ínfimo. Esqueça Péricles: democracia é isso.
Veio-me à mente um livro pertinente que tinha lido, escrito
por um cientista político chamado Robert Putnam. Em "Making
Democracy Work", ele expõe
uma tese interessante sobre o
desenvolvimento econômico da
Itália. Putnam explica as diferenças de desenvolvimento entre o norte e o sul italianos (equivalentes ao sudeste e ao nordeste
brasileiros) não em termos clássicos econômicos, mas, sim, sob
o prisma do "capital social". Este
seria o patrimônio formado ao
longo de séculos de participação
popular,
de
pequenas
iniciativas
comunitárias como times
de futebol, corais de igreja e mais uma série de microatividades que formam uma rede de cidadania.
Essa solidez social (presente
no norte da Itália) é que seria
responsável pelo grau de desenvolvimento da região, enquanto
a cultura personalista e dominadora que imperava no sul só dava certo enquanto havia o caudilho, para depois desintegrar-se
numa confusão, em que o clima
de responsabilidade compartilhada dava lugar a uma desconfiança geral.
Vendo as centenas de obstinados protestando contra seus governantes por aquilo que achavam minimamente correto
-por menor que fosse a causa-, ficou mais fácil entender
por que este país dá certo. Lembrei-me das nossas capitanias
hereditárias, de Pedro 2º, Getúlio, JK e dos militares, somados
às classes média e alta que desprezam e marginalizam os pobres, e por um instante consegui
entender o nosso atraso, a desagregação social e o desrespeito
pela "res" pública. Tristes trópicos, mesmo. Mais tristes porque
têm de lutar não só com o
futuro, mas também com
um fardo do passado.
Sem nem poder contar
com os esquilos que correm pelo jardim do
Congresso daqui...
Gustavo Ioschpe, 21, é escritor e estuda administração na Wharton School e
ciência política na University
of Pennsylvania, EUA, e- mail:
desembucha@cyberdude.
com.
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