São Paulo, segunda, 21 de setembro de 1998

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evento Folhateen
mundo livre arma seu carnaval na Folha

da Reportagem Local

Precursor do mangue beat, ao lado de Chico Science e Nação Zumbi, o mundo livre S/A tem levado o movimento recifense adiante com toda força.
O novo disco da banda, "Carnaval na Obra", terceiro da carreira e primeiro pela gravadora Abril Music, acaba de sair. Na última quarta-feira, Fred Zero Quatro, 36 (vocalista), Bactéria Maresia, 23 (teclado e guitarra), Marcelo Pianinho, 33 (percussão), Tony Regalia, 27 (bateria), e Fábio Malandragem, 34 (baixo), estiveram no auditório da Folha para um bate-papo animado com leitores, com mediação de Bell Kranz, editora do Folhateen. Confira os melhores momentos abaixo.

André, 21 - Por que tantos produtores (quatro) no mesmo álbum?
Fred Zero Quatro -
A gente estava com uma certa obsessão de gravar um disco de uma forma totalmente caseira, uma coisa que já acontece há muito tempo lá fora, com bandas que contam com altos orçamentos, mas preferem gravar em esquema mais caseiro. Assim, não existe nenhum compromisso com determinado padrão de som e FM comercial, e você trabalha com muito mais espontaneidade, sem a pressão da hora cara de um estúdio enorme. Aí a gente pensou em ligar para pessoas com estúdio que funcionam de forma totalmente alternativa e que já tinham uma ligação com a banda. E foi o máximo. Algumas coisas a gente chegou a gravar no Bebop, que é um estúdio grande, coisas que precisavam de mais ambiente, tipo bateria, percussão, metais. Mas a parte de mais efeito, guitarra e teclado foi toda gravada na casa do Bidi ou na casa do Edu. E funcionou de forma bem a contento da galera toda.
Júlio Lopes, 28 - Quem é o maior fã da Malu Mader entre vocês? Vocês têm uma música homenageando a atriz, né?
Fred -
A música não foi feita para a Malu, a música foi feita para uma mina da Ilha Grande chamada Tatiana. Nem era a namorada de ninguém, era, assim, a gatinha da temporada, que passava na praia todo dia...
Júlio - E aquele álbum de vocês que fala sobre oia, que diabo é oia?
Fred -
Oia é uma gíria que vem de algumas favelas, não só de Recife. A gente soube depois que em outros lugares também se usa esse termo. Pode ter vários significados. "Guentar oia" pode ser batalhar o dia-a-dia, tentar a sorte. Pode ser também o cara que faz bico ("Minha oia hoje foi fraca e tal").
Julio Lopes - Qual a influência maior que o Chico Science deixou na banda?
Fred -
É meio complicado identificar o que ficou do Chico. Até porque, antes de a gente conhecer o Chico, a banda já tinha uns cinco anos de trabalho, já com esse som. É lógico que ele era um cara com um puta carisma, uma energia para se comunicar legal com a galera. Isso aí foi uma coisa pela qual a gente se sentiu fortemente influenciado. A gente até fez esse apelido de Science, um cara que estava querendo sempre inventar, o que já era uma coisa inerente ao mundo livre. Mas o Chico era um cara que reforçava isso em qualquer pessoa com quem ele trabalhava.
Marcelo Lima, 22 - Eu morei no Recife um tempinho e fiz um estágio ali no "Diário de Pernambuco" e tive a oportunidade de entrevistar o Chico Science e o pessoal do Mestre Ambrósio. Perguntei a eles sobre o início do movimento mangue e do manifesto. E a conclusão de que cheguei foi que representaram uma forma de chamar a atenção do Brasil para a cena pop ali de Recife. Você confirma isso?
Fred -
Quando a gente nem tinha noção se aquilo ia virar algo profissional, era tudo diversão, farra, em todo encontro a gente inventava um monte de gíria do mangue: caranguejo, aratu e tal. E aí a gente começou a chamar todo mundo de caranguejo nos shows. A galera começou a se identificar muito. E a idéia era essa mesmo, ajudar a fortalecer uma coisa que estava nascendo muito forte no Recife e, com isso, aquela história da imagem da parabólica na lama. E ao mesmo tempo colocar o Recife no mapa do pop.
Marcelo Lima - Os caras do Mestre Ambrósio falaram para mim que quem revitalizou o Recife antigo foram as bandas. Vocês começaram a fazer show lá, e ele começou a ser frequentado de novo. Aí a prefeitura e o governo teriam se aproveitado e feito ali restaurante para a elite.
Tony -
É, depois que fizeram isso as bandas da cena local pararam de ir para lá, que virou lugar de mauricinhos, barzinho de axé e forrós.
Fred - Existia um barzinho, o Bar do Fogão, que era o mais podreira de todos. A bebida era mais barata. Antes dos shows, a galera se encontrava para encher a cara e entrar detonado. Existia um grafite na frente e tal. Só que quando começou a ser tudo "revitalizado", que os empresários começaram a investir mesmo lá, aí rapidinho tiraram a tiazinha de lá, e o negócio foi fechado.
Marcelo Lima - Como surgiu essa idéia de as bandas irem tocar lá?
Fred -
No começo não era uma coisa de banda, existiam uns dois ou três lugares onde faziam festas. Perto do cais, havia o Francis Drinks, que era um cabaré, e havia outro, o Atenas Drinks. Tinham um puta astral, com luz vermelha, de frente para o porto, casarões bem velhos, bem viagem. E aí nego começou a fazer festa, e a galera de universidade e mais antenada começou a ir porque rolava música muito legal. Pouco tempo depois o lugar veio abaixo. Pegou fogo e até caiu. Era um lugar muito velho, não tinha a menor segurança.
Bactéria - Na verdade, era um puteiro. O Zero Quatro não quer falar, não, mas era um puteiro (risos).
Marcelo Lima - Onde as bandas do Recife estão conseguindo tocar?
Fred -
Na famosa Soparia, que é do Rogê, o famoso Rogê da música do Chico, "Cadê Rogê, Cadê Rogê?". É um cara que sempre foi muito próximo de toda a galera das bandas e tem uma casa de sopa aberta a noite inteira, com espaço para todo tipo de banda.
Marcelo Lima - O primeiro disco de vocês foi muito trabalhado em estúdio, e até o show acabou sendo prejudicado porque era difícil reproduzir. Aí o segundo já foi uma sonoridade mais básica e tal. Eu ainda não ouvi o terceiro e não sei como está. Queria que vocês falassem sobre essa dicotomia palco/estúdio.
Fred -
São duas coisas legais pra caralho. Os três discos foram gravados em São Paulo. Mas, quando ouço esse novo, eu sinto que é o mais relaxado, em que a gente estava totalmente à vontade, gravando, produzindo, co-produzindo, compondo. No primeiro disco, eu tocava há dez anos, mas nunca tinha pego um instrumento de verdade. Quando a gente estava prestes a gravar, a Lara, que trabalhava no Banguela, ligou e disse: "A gente está começando a comprar o material, qual a corda que você usa, qual a corda que o Bactéria usa?" Eu disse: "Como, qual a corda? As cordas de guitarra". "Não, mas qual a marca? É 010, 011...?" "Pô, velho, acho que a minha corda de guitarra eu nunca troquei na vida, não tenho nem onde comprar corda boa assim em Recife!" Quando eu tocava, saía sangue porque era tudo muito enferrujado. Chegamos para gravar, e até os instrumentos eram emprestados ou alugados, os Titãs emprestaram alguns, e outros a gravadora alugou.
Luis, 20 - Já existe banda de mangue beat fora de Recife?
Bactéria -
Cara, fiquei sabendo que existe um bar aqui, na periferia sul de São Paulo, chamado Bar do Mangue. Isso é muito legal.
Lourival - A gente anda de skate e gosta pra caramba do som quando a gente está andando. Alguém da banda já andou de skate?
Bactéria -
Eu já andei, cara.
Marco Antonio, 17 - O que vocês têm ouvido, aqui no Brasil e fora, e que vocês falam "pô, é legal, é novo"?
Fred -
Há uma dupla francesa. Ela se chama Air, eu acho que os caras fazem um troço totalmente original, uma ponte muito louca entre anos 60 e anos 90 e com o que pode vir depois e tal. Uma outra muito legal é Future Sound of London, uma coisa eletrônica que mistura muito de jazz também e de progressivo. No Brasil, uma banda que eu acho muito legal, lá do Rio Grande do Sul, se chama Ultramen, que faz um som muito viagem. Outra é Boi Mamão, do Paraná.
Bactéria - Uma banda muito legal de Porto Alegre é a Júpiter Maçã.
Tony - Lá de Brasília, há Rumbora.
Fred - Há um cara também lá de Recife, que até foi um dos primeiros parceiros de Chico, tem uma letra inédita de Chico, de quando eles eram brothers, que é o Spider. Muito legal. É um hip hop, só que ele toca trompete, puta, faz uns arranjos poderosos de trompete também.



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