São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 2001

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CAPA

Comandado por artistas como Xis, o movimento rap brasileiro se firma como fenômeno de produção cultural

A nova cara do rap

Jarbas Oliveira/Folha Imagem
O rapper Xis, que saiu da zona leste de São Paulo para estourar em todo o país com o hit "Us Mano e as Mina"


FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se, em meados da década de 80, o rap surgiu por aqui como uma imitação da novidade dos guetos norte-americanos, hoje conquistou uma cara e um conceito essencialmente brasileiros, que abrangem arte, dança e, agora, cinema e até literatura (veja texto ao lado).
Passou de ícone da cultura marginal a produto para o grande público. Arrasta mais de 40 mil manos (e não-manos) para um show como o Millenium Rap, ocorrido no último dia 13, em que as grandes atrações não eram artistas internacionais, mas os próprios grupos de rap nacional. Entre os maiores nomes da nova geração de rappers está Marcelo dos Santos, o Xis.
Autor de um dos mais conhecidos hits de 2000, "Us Mano e as Mina", Xis consegue mixar em sua música a festividade e as mensagens positivas de artistas como Thaíde e DJ Hum e a veia crítica das letras de dar nó na garganta dos Racionais MCs.
Xis passa a imagem de prodígio do rap e gosta disso. Não revela sua idade. "Tenho mais de vinte anos. Gosto quando o pessoal acha que sou muito novo", confessa.
Ele está ali, no meio de extremos do gênero, e talvez por isso tenha conquistado o sucesso e a popularidade que fizeram com que seu último disco, "Seja Como For", chegasse a cerca de 60 mil cópias vendidas.
O disco foi lançado pelo selo 4P, criado por ele em parceria com KL Jay, dos Racionais, e é distribuído pela gravadora Trama. Mas seu álbum vendeu muito mais pelo próprio selo independente. São 20 mil cópias pela grande gravadora contra quase 40 mil por seu selo.
E aí está o maior fenômeno em torno do sucesso que o rap nacional conquistou nos últimos anos: a iniciativa das pessoas envolvidas com a cultura hip hop que criam selos, oficinas, produtoras e cursos.
Segundo DJ Hum, um dos pioneiros da onda hip hop, foi em 98 que a coisa estourou. "Começaram a surgir muitas oficinas de hip hop, com gente levando informação e auto-estima para a periferia. Gente ensinando grafite, break, o trabalho dos DJs e a poesia dos MCs para os jovens de lá." Além dos trabalhos que utilizam o hip hop como ferramenta de ação social e são realizados principalmente por posses (organizações de grupos), DJ Hum atribui o crescimento do rap à qualidade da nova safra de artistas. "A moçada nova está vindo com letras boas, rimas ricas e uma boa construção verbal."
Já Xis acha que esse "boom" é devido ao acesso que o gênero teve a algumas mídias, ao programa Yo!, da MTV, que agora veicula clipes nacionais e, principalmente, à proliferação de selos independentes, através dos quais a maioria dos rappers lança seus trabalhos.
"Por que não conseguíamos fazer o rap tocar nas rádios? Por que só o Gabriel, o Pensador, conseguia assinar com uma gravadora grande? Porque rap é música de preto, é música de pobre, e o Brasil é um país racista e preconceituoso", questiona Xis. "Isso fez com que a gente procurasse conseguir as coisas por conta própria. Agora, temos o poder."
Das reuniões no metrô São Bento e na praça Roosevelt aos megaeventos de música, o gênero mudou de cara. "O rap começou no Brasil com um monte de gente indo à rua 24 de Maio comprar discos gringos com bases instrumentais para cantar em cima. Não estamos mais vivendo isso. O pessoal está sampleando muita música brasileira. A coisa está se nacionalizando", afirma Xis.
Essa transformação também está no público. A força do rap continua sendo a fidelidade dos manos. Rap continua sendo essencialmente coisa de periferia. Mas ninguém mais estranha ver um branco ajeitadinho cantando o refrão do sucesso de Xis num carro importado. "O profissionalismo de alguns grupos mudou muita coisa e tem aberto outros espaços", defende Xis, que ainda arrisca uma profecia. "Ninguém tira da minha cabeça que em quatro anos o rap será a música mais popular do Brasil, pelos assuntos de que trata e pela situação do país. O povo se identifica muito."
Só que tamanha popularidade não é tão bem-vista assim por todos. "O rap está virando um produto de gravadora, e isso é muito perigoso", alerta DJ Hum. Xis é mais otimista na previsão. "O futuro do rap pode ser tornar-se uma música mais de diversão que de protesto."
A verdade é que o rap não quer ser reconhecido só entre os manos. Os próprios integrantes dos Racionais MCs, que divulgavam que rap era música para negro ouvir, hoje parecem ter outra opinião. Ice Blue, dos Racionais, anunciava antes do Millenium Rap que "os boys podem ir à vontade". E eles vão.
Para quem teme que isso seja a perda da identidade hip hop no rap e da integridade de se fazer música por uma causa maior, Xis tem a resposta na ponta da língua. "Não estou falando que rap vai ser essa porra de axé e tchan. Se as pessoas conseguirem fazer um bom trabalho, da hora. Se conseguirem tirar disso um retorno para a periferia e para a comunidade, acho muito louco. Ninguém vive de mensagem e de conselho. A gente vive de mudança. E as coisas mudam."


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