São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

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free way
Meu affair com a Sharon Stone

GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha

A revista do New York Times pergunta "O que acontece com a política?". Um dos articulistas chama Clinton de o primeiro presidente pós-político. E, mesmo tendo em conta que americano gosta de rótulos, esse até que cai bem.
O interesse por política está num nível incrivelmente baixo, não só nos Estados Unidos. Faz sentido. As grandes questões já parecem ter sido resolvidas. A Guerra Fria acabou; o marxismo resiste quase como resquício maltrapilho, um livro na estante a ser estudado como curiosidade histórica, jamais como alternativa de poder. O capitalismo triunfou. Mesmo nas outras ...., parece já estar tudo acertado. Há um consenso -a não ser quando a Yeltsin toma umas vodcas a mais- de que a ameaça de uma hecatombe nuclear está enterrada no nível das baixarias que o Kennedy fazia com prostitutas enquanto negociava com Kruschev.
Terceira Guerra Mundial, só se o Enéas for eleito presidente e o Brasil for superpotência - ou seja, as chances são praticamente nulas.
Todo o resto, do que antes era política, hoje virou economia. Houve, nestas últimas décadas, uma mudança de eixo. O Estado se mete em cada vez menos, e o onipotente mercado controla o que se achava até há pouco premissa insubstituível do governo, como educação, saúde, comunicações etc.
Os líderes políticos viraram uma espécie de fantoches de indicadores econômicos: se a combinação de inflação, desemprego e crescimento econômico estiver boa, parece que não precisa fazer mais nada. No meio dessa chatice de números e estatísticas, não é de espantar que o Clinton ande provocando o seu "sexgate" -acho até que numa tentativa de manter todo mundo acordado até as próximas eleições.
O curioso é ver que esse desinteresse pela política se alastra para lugares onde tudo está longe de ser sido resolvido, como no Brasil. Estamos há poucos mais de meio ano de uma sucessão presidencial e, até agora, não vi nenhum candidato reclamando de algo que não seja o número de viagens ao exterior do FHC ou o número de títulos "honoris causa" que ele recebe ou outras vaidades do gênero.
Entramos nessa onda econômica de globalizaaargh e, por um instante, esquecemos que vivemos em um dos países mais desiguais do mundo. O número de miseráveis abunda, mesmo que agora eles comam frango, iogurte e tenham dentadura. Poderiam até estar mais contentes com a nova moeda, caso tivesse acesso a ela. Milhões de crianças continuam fora da escola, outras tantas pessoas morrem vitimadas por doenças medievais. O sistema de saúde está caindo aos pedaços. O judiciário é de uma ineptidão monumental. A corrupção, a despeito de discussões semânticas sobre se é ou não endêmica, continua solta. A polícia é muito eficiente, especialmente quando tem de matar preso, espancar favelado ou negociar propina com bandido.
Estamos, em suma, em um país onde enormes questões políticas foram tão desenvolvidas quanto a intelectualidade dos emergentes.
Tudo bem andar de boné virado, usar camisa de time de basquete e vir pra Disney em excursão. Mas essa de imitar o cenário americano, fazendo de conta que sob os ainda tristes trópicos é tudo problema de PIB e déficit, é um engodo. Antes que o Fernando Henrique comece a atacar as estagiárias do Planalto, vale a pena gastar um tempinho pensando do que o país precisa. (E me desculpe ter posto a Sharon Stone na parada, mas se o título fez você aguentar até agora é sinal de que adiantou).


Gustavo Ioschpe, 21, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA, e-mail: fala_bagual@geocities.com


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