São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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DROGAS

Médicos dizem que nem sempre internação é o melhor

Cresce a procura por tratamento

DA REPORTAGEM LOCAL

Com a discussão sobre dependência química levantada pela falecida novela "O Clone", de Glória Perez, vista por até 36 milhões de pessoas ao mesmo tempo, os principais serviços de informação sobre drogas tiveram um salto de procura por parte de pais que pediam orientação e de jovens que buscavam indicações de clínicas de tratamento para o problema.
Só na Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) a média mensal de ligações passou de 750 para mais de 4.500 nos últimos dois meses. O Conselho Estadual de Entorpecentes de São Paulo apontou também um aumento de mais de 100% na procura do serviço, especialmente por jovens.
"A novela serviu de campanha, o que dificilmente conseguiríamos realizar", admite Paulo Roberto Uchôa, 61, secretário nacional antidrogas, que divulgou na semana passada o primeiro levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas, feito pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas).
No despertar para o tratamento da dependência, é preciso cuidado na hora de eleger uma clínica ou um profissional.
"Há estabelecimentos bem-intencionados mas, como em quase tudo, há também os mal-intencionados", alerta Arthur Guerra, 48, do Grea (grupo de estudos de drogas do Hospital das Clínicas).
Segundo Ronaldo Laranjeira, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo e coordenador da Rede Estadual de Apoio a Médicos Dependentes Químicos, nos últimos dez anos houve uma explosão no consumo de drogas e na busca de ajuda. "Ainda há profissionais pouco aparelhados para lidar com o problema", diz.
"Muitas clínicas se baseiam na internação do paciente. O dependente mal bate na porta e já é internado, e a maioria dos usuários não necessita disso. Os casos de internação são a exceção da exceção. O tratamento ambulatorial é o mais indicado", esclarece.
Laranjeira, que integra uma comissão da Senad que pretende estabelecer os critérios de qualidade dos centros de tratamento, também chama a atenção para as clínicas que baseiam seu tratamento em ex-usuários. "Eles têm conhecimento limitado do problema e podem ser bons só em alguns casos."
Sua dica é que um familiar ou o próprio dependente pergunte ao profissional que o trata que tipo de especialização ele tem em dependência química. Há ainda os serviços telefônicos da Senad (0800-61 43 21) e dos Conselhos Estaduais Antidrogas, que podem indicar clínicas e ambulatórios de tratamento, assim como serviços públicos, como o do Hospital das Clínicas e o da Escola Paulista de Medicina.

Caminho das pedras
Segundo dados da pesquisa do Cebrid, realizada nas 107 maiores cidades do país, mais de 1,2 milhão de jovens entre 12 e 24 anos já experimentaram maconha no Brasil. Entre eles, cerca de 280 mil são considerados dependentes.
Se a novela fosse como a vida real, quase todos eles passariam da maconha para a cocaína e daí para o crime. Jogo pesado.
"Pode não acontecer nada. Mas nem todos têm essa sorte", diz Raul Pinto, diretor-executivo da Associação Parceria Contra as Drogas.
Segundo Laranjeira, a polêmica história de que a maconha é a porta de entrada para outras drogas não se deve a "uma reação farmacológica", mas a uma "influência social". "Quem nunca experimentou maconha tem menos chances de experimentar outras drogas do que quem a consome", explica. E o estudante Hideki Katsumata, 18, sabe disso muito bem.
Aos 13 anos, experimentou maconha com os novos amigos de um condomínio no Rio de Janeiro, onde morava. Dois anos depois, no interior de São Paulo, foi apresentado à cocaína, e passou a usá-la diariamente. Aos 17, depois de muitas confusões e de dois anos perdidos na escola, foi internado pela família em uma clínica. "A crise de abstinência é muito forte. Quebrei toda uma clínica e fui levado à força para outra. Não achava aquilo justo."
Depois de oito meses de tratamento, Hideki diz que entrou no mundo "mais velho". "Criei o Provim, Projeto Vida Melhor (tel. 0/ xx/11/4427-3169), no qual dou palestras. Minha história serve para ajudar outras pessoas", diz.
"Comecei a usar drogas na alta sociedade carioca e terminei nas ruas do centro de São Paulo. Ainda tenho sequelas, surtos de perseguição e coisas assim. Só não consigo é ficar de braços cruzados diante desse problema." (FERNANDA MENA)


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