São Paulo, segunda, 26 de janeiro de 1998.



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U2 já sente o gosto amargo da decadência

Divulgação
Os integrantes do U2 se apresentam amanhã no Rio e sexta e sábado em São Paulo


ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha

Existem três tipos básicos de bandas que vêm ao Brasil:
1) Múmias viventes, zumbis vagando sobre os escombros do que foram um dia. Caso de Scorpions, Deep Purple e Rolling Stones;
2) Loucos e/ou idealistas, que baixam aqui pelo prazer da aventura de tocar para platéias exóticas. Foi o que aconteceu com os americanos do Fugazi, que se apresentaram em São Paulo no ano passado;
3) Bandas que começam a sentir o gosto amargo da decadência e, rejeitadas pelo mercado dos EUA, voltam os olhos para países periféricos de bom potencial de vendas, como México e Brasil.
O U2 está nessa última categoria. Seria exagero chamá-lo de grupo em fim de carreira, porque continua lotando arenas na Europa e, bem ou mal, ainda lança discos com músicas inéditas. Mas é preciso dizer que esses irlandeses sofreram um golpe violento no ano passado, ao tocar para estádios quase vazios nos EUA. Quem abria era o Oasis, que ainda não tinha muito cartaz com o público americano e pouco ajudou a turnê a decolar.
Assim, a banda que vem ao Brasil, e pelo menos em São Paulo atrairá multidões, já não integra a linha de frente do rock.
Não faz mais nada relevante, tenta uma carona de última hora na onda trip-hop, perde-se em gigantismo e naquele modus operandi que poderia ser chamado de "a tecnologia a serviço do nada".
O que levanta uma outra questão, agora mais polêmica: será que algum dia o U2 foi importante?
Se o critério for número de discos vendidos, é claro que sim.
Mas, a meu ver, esse U2 dos megashows de hoje nada mais é do que uma versão escancarada, sem disfarces, daquilo que eles sempre almejaram ser, desde álbuns como "Boy" (1980), "October" (1981) e "War" (1983).
O U2 tem um vício de origem, tão comum a músicos irlandeses: o messianismo, a grandiosidade. Numa palavra, a pretensão. E a pretensão é o cadafalso do rock.
Em 1987, fui convidado pela Ilustrada a escrever sobre "The Joshua Tree", considerado o disco "americano" do U2. Agradeci mas me esquivei, porque não tinha nenhum disco da banda e não havia meio de saber se eles tinham melhorado ou piorado, evoluído ou involuído. Onze anos depois, continua tudo igual.
Não tenho e nunca tive um disco deles. Acho de um vazio abismal grupos que se metem a interpretar o universo, a mudar o mundo. Se você tem menos de 25 anos e gosta de rock, atente para duas bandas da mesma época, infinitamente mais interessantes: Psychedelic Furs e Killing Joke.
A primeira tem uma coletânea recém-lançada, "Should God Forget", retrato límpido do que foi o rock dos anos 80. E o Killing Joke ainda existe, sujeito às mudanças de temperamento do líder, Jaz Coleman, que andava exilado na Nova Zelândia em protesto contra o triunfo do britpop.
Eu não vou ao show do U2, mas muita gente vai. Tudo bem. A vida é assim.


Álvaro Pereira Júnior, 34, é chefe de Redação da Rede Globo em São Paulo


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