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"Nietos", sobre a geração que perdeu os pais na ditadura, estréia na Argentina
Jovens argentinos perseguem passado
CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES
"Eu não tinha irmãos e, de repente, me
apareceu um de 20 anos. Já não tinha avós e, de repente, conheci a minha,
foi um acontecimento. Depois vieram os
sobrinhos, ou seja, já era tio."
O relato do argentino Claudio Gonçalves, 27, pareceria uma história de filhos
adotivos que afinal conhecem a família
biológica. Um detalhe faz a diferença: aos
19 anos, Claudio descobriu que era filho
de desaparecidos durante a última ditadura militar na Argentina (1976-83).
O pai de Claudio, Gastón, foi seqüestrado no primeiro dia do golpe. A mãe,
Ana María, passou meses fugindo até ser
encontrada e morta. Com apenas cinco
meses, Claudio foi deixado num hospital
e adotado por uma família que desconhecia a sua origem.
Segundo estimativas das Avós da Praça
de Maio, associação que se dedica a localizar filhos de desaparecidos durante a
ditadura, há pelo menos 500 "netos" em
situações iguais à de Claudio.
Fazem parte das 30 mil vítimas da
"guerra suja" -como ficou conhecida a
campanha de detenção ilegal, tortura e
assassinatos empreendida pelos militares. São crianças que foram abandonadas após o seqüestro ou assassinato dos
pais ou que nasceram no cativeiro. A
maioria foi adotada de forma ilegal. Até
agora, 20 anos depois do fim da ditadura,
só 77 foram localizados.
Hoje, oito anos após sua descoberta,
Claudio está reconstruindo sua história.
Já iniciou, por exemplo, os trâmites judiciais para recuperar o nome que seus
pais biológicos lhe deram: Manuel.
O processo é longo e difícil. "O que
acontece também é que, depois que você
encontra algo que tem a ver com sua história, você leva dias para processar. Os
primeiros encontros levam anos, são histórias muito complexas."
Perguntado sobre o mais difícil de todo
esse processo, Claudio não hesita: "Foi
saber o que aconteceu com meus pais.
Comparado com isso, reconstruir minha
história não é nada". "Isso me pesa todo
o tempo. Desde que soube, não há um
dia em que não pense nisso", diz.
"Penso que meu pai foi torturado, que
minha mãe tinha 23 anos. Quando as
pessoas me contam o que faziam, o que
pensavam, como eram, me dói muito.
Me dá muita pena não ter podido compartilhar com eles uma vida. Penso neles
em particular, mas em todos em geral -
sempre lamento que essas pessoas tenham desaparecido."
A experiência de ser filho de desaparecidos agora influi na história de Claudio
com sua própria filha, Martina, 3. "Não
quero que ela sofra a mesma falta que eu,
de coisas que já não existem, que não podem voltar mais."
E o que foi o melhor de tudo isso? "Que
me encontrei com minha família e que
sei a verdade. E que minha filha vai crescer sabendo a verdade", diz.
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