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São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2003

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"Sentia que todo mundo estava me observando"

DA REDAÇÃO

Leia abaixo o depoimento de um jovem de 17 anos que teve diagnosticada a síndrome do pânico.
  "Não importava onde eu estivesse. Se o medo chegava, a minha pressão baixava, eu começava a suar frio, meu coração disparava e eu tinha de sair dali. O medo era de sofrer alguma violência e, muitas vezes, de ser violentado. Tinha também uma espécie de síndrome de perseguição. Não sabia quem estava me perseguindo, mas tinha certeza de que havia alguém atrás de mim. Às vezes era um carro na rua, às vezes uma pessoa e em outras vezes não havia ninguém, só a sensação de estar sendo perseguido.
Minha primeira crise aconteceu numa viagem para a praia. Eu estava com dois amigos em Ilhabela. Comecei a ter medo dos caiçaras. Era até um medo justificável, pois eu não era daquele lugar e eles mexem com a gente mesmo, procurando briga. Mas eu sentia que as pessoas todas estavam me olhando, que todo mundo estava me observando, que eu seria um alvo fácil.
Eu tinha bebido o dia todo e fumado maconha também. Estava ficando com uma menina na praia e, de repente, bateu o medo. Não consegui me controlar e saí correndo. Disse para ela que estava passando mal e fugi. Depois disso, comecei a ter pânico de multidão, não conseguia mais olhar as pessoas nos olhos. Achava que todo mundo estava me perseguindo para fazer algum mal.
Alguns meses depois, fui estudar em Boston, nos EUA. Estava em um país diferente, convivendo com uma cultura diferente, e, apesar de Boston ser uma cidade bem mais sossegada do que São Paulo, eu comecei a ter muito medo. Voltar para casa depois da aula era difícil. Eu entrava no metrô e achava que estavam me encarando. Um olhar que dizia que eu era um latino-americano que não deveria estar ali. Uma vez, o pânico foi tanto que desci do trem e voltei a pé para casa. Nem me importei de andar vários quarteirões com um frio de -6 C.
Estava fazendo terapia, tinha parado de fumar maconha e o problema foi amenizando. Voltei a fumar e o medo também voltou. Sei que não é a maconha que me deixa assim, mas acho que as duas coisas estão ligadas. A droga parece que detona o processo.
É interessante dizer que essas crises vieram com outros questionamentos, com uma crise de identidade mesmo. Mesmo assim, quando estou na rua, no metrô ou em multidões, ainda sinto o medo chegar. Nessa hora, tento respirar fundo e continuar o que estou fazendo. Fico pensando que sou uma pessoa da paz, que não gero violência e que não há razão para alguém ser violento comigo.
Duas coisas me ajudaram a contornar esse problema. Contei à minha mãe o que estava acontecendo e comecei o processo de terapia. Além disso, tenho uma amiga que sofre de síndrome do pânico num grau muito mais forte, que toma remédios e tudo. A gente conversa muito e um ajuda o outro."

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