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Sensação de insegurança e excesso de ansiedade estimulam distúrbios como a síndrome do pânico
Sob o domínio do medo
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Carolina tem fobia de escuro. Márcia tem pavor de
cobras. Eduardo teme assaltos. Emanuel, a
polícia. Ana tem medo de virar solteirona. E Débora
sente pânico -mas não sabe exatamente do quê.
O medo é um sentimento universal, todo mundo
tem de alguma coisa. Em casos extremos: o coração
dispara, a respiração fica mais difícil, as mãos suam
frio e uma tontura confunde os sentidos.
Quando isso ocorre numa situação de perigo, a
reação é natural. Estranho mesmo é quando os sinais vêm quando não há risco aparente.
"De repente, acordava no meio da noite com meu
coração a mil e uma sensação horrível de medo e
insegurança. Ela aparecia sempre no mesmo horário. Não sabia da onde aquilo surgia nem por que
surgia, já que eu não tinha nenhum motivo aparente para ter medo", lembra Débora Machado, 21.
Depois de um tempo, Débora descobriu que
aquilo não era frescura: era síndrome do pânico.
Tida erroneamente como "mal da atualidade",
por causa da escalada da violência e da epidemia
de medo em vigor (leia texto à pág. 8), a síndrome
(ou transtorno) do pânico é, na verdade, antiga: foi
identificada no séc. 18 como neurose de angústia.
Trata-se de uma doença que acomete cerca de
10% da população, segundo o Ambulatório da Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo
(Amban), e que dá as caras normalmente durante
a adolescência ou pouco depois dela.
Mas atenção: nem todo medo é pânico e nem todo pânico é disfunção ou doença. "Existe a crise de
pânico, que pode acontecer, por exemplo, com pessoas que têm algum tipo de fobia [medo] e que desenvolvem uma crise em determinada circunstância, que não necessariamente se repete. E existe o
transtorno do pânico, em que há uma sucessão de
crises que podem vir do nada, sem um motivo definido", explica Fernando Asbahr, 38, psiquiatra e
coordenador do Ambulansia (Ambulatório de Ansiedade na Infância e na Adolescência).
Medo de ter medo
As crises de pânico costumam ser descritas como experiências devastadoras, que duram, em média, 20 minutos e que, nas primeiras ocorrências, são normalmente confundidas com algum outro mal-estar ou
doença: problemas de pressão, indigestão ou infarto.
Também é comum que quem vivencia essas crises passe a culpar a circunstância ou o local onde elas ocorreram
e, assim, comece a evitá-los com medo de que eles disparem outra crise. É o medo de ter medo.
"Tive uma primeira crise em uma loja. Fiquei escorada no balcão, parecia que eu ia desmaiar ou morrer. Tive náuseas, e tudo no que eu pensava era em correr para a minha casa, para o meu quarto, sumir dali. Dois
dias depois, quando fui sair sozinha, não consegui,
parecia que tudo aquilo iria acontecer novamente. Fiquei uma semana sem ir ao trabalho nem ao curso
que fazia.", conta Karine Vianna, 18.
Segundo Asbahr, a síndrome do pânico é um problema de ansiedade. E ansiedade é algo que todo
mundo sente na vida, o que não faz da síndrome do
pânico uma epidemia geral.
"Ansiedade, até determinado grau, é uma característica de personalidade. Dependendo do grau de
intensidade, pode se tornar uma disfunção. A adolescência é uma fase conturbada por si só, e isso já
causa muita ansiedade. Quem tem predisposição
ao pânico, poderá apresentar mais claramente seus
sintomas na adolescência", diz. "Por isso é muito
importante que se faça uma avaliação médica de
cada caso." (veja no quadro os locais onde avaliação e tratamento podem ser feitos).
Avaliação também é a aposta de Rosana Laiza,
43, presidente da Associação Nacional de Síndrome do Pânico, para a prevenção do surgimento repentino da doença. "Não é regra, mas uma pessoa
perfeccionista, que não se permite errar, que é tensa, que se culpa muito, que se cobra e que cobra os
outros é um prato cheio para o desenvolvimento de
síndrome do pânico. Essa pessoa deve fazer um
trabalho preventivo, o que quase nunca ocorre."
É preciso ter cuidado na hora de escolher o profissional com quem se tratar. Com o avanço da ciência
médica, e a descoberta de medicamentos para os
mais diversos fins, há quem pregue que remédio para síndrome do pânico seja para a vida inteira.
"As doenças viraram outro objeto de consumo. A
tendência é transformar todo mundo em clientes, e
os laboratórios farmacêuticos são empresas comerciais", alerta Raul Gorayeb, 53, coordenador do setor
da infância e da adolescência do Departamento de
Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo.
Para ele, apesar de a síndrome do pânico ser reconhecida e catalogada como uma doença, ela nada mais
é do que "um nome inventado para uma crise aguda
de ansiedade". "Para mim, é um sintoma, como a febre,
e quer dizer que algo não vai bem mental ou emocionalmente. O jovem que sente essa ansiedade precisa de ajuda para descobrir o sentido disso, que pode estar oculto
ou obstruído, mas existe."
Colaborou Carolina Frederico
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