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São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2003

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Sensação de insegurança e excesso de ansiedade estimulam distúrbios como a síndrome do pânico

Sob o domínio do medo

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Carolina tem fobia de escuro. Márcia tem pavor de cobras. Eduardo teme assaltos. Emanuel, a polícia. Ana tem medo de virar solteirona. E Débora sente pânico -mas não sabe exatamente do quê.
O medo é um sentimento universal, todo mundo tem de alguma coisa. Em casos extremos: o coração dispara, a respiração fica mais difícil, as mãos suam frio e uma tontura confunde os sentidos.
Quando isso ocorre numa situação de perigo, a reação é natural. Estranho mesmo é quando os sinais vêm quando não há risco aparente.
"De repente, acordava no meio da noite com meu coração a mil e uma sensação horrível de medo e insegurança. Ela aparecia sempre no mesmo horário. Não sabia da onde aquilo surgia nem por que surgia, já que eu não tinha nenhum motivo aparente para ter medo", lembra Débora Machado, 21.
Depois de um tempo, Débora descobriu que aquilo não era frescura: era síndrome do pânico.
Tida erroneamente como "mal da atualidade", por causa da escalada da violência e da epidemia de medo em vigor (leia texto à pág. 8), a síndrome (ou transtorno) do pânico é, na verdade, antiga: foi identificada no séc. 18 como neurose de angústia.
Trata-se de uma doença que acomete cerca de 10% da população, segundo o Ambulatório da Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo (Amban), e que dá as caras normalmente durante a adolescência ou pouco depois dela.
Mas atenção: nem todo medo é pânico e nem todo pânico é disfunção ou doença. "Existe a crise de pânico, que pode acontecer, por exemplo, com pessoas que têm algum tipo de fobia [medo] e que desenvolvem uma crise em determinada circunstância, que não necessariamente se repete. E existe o transtorno do pânico, em que há uma sucessão de crises que podem vir do nada, sem um motivo definido", explica Fernando Asbahr, 38, psiquiatra e coordenador do Ambulansia (Ambulatório de Ansiedade na Infância e na Adolescência).

Medo de ter medo
As crises de pânico costumam ser descritas como experiências devastadoras, que duram, em média, 20 minutos e que, nas primeiras ocorrências, são normalmente confundidas com algum outro mal-estar ou doença: problemas de pressão, indigestão ou infarto.
Também é comum que quem vivencia essas crises passe a culpar a circunstância ou o local onde elas ocorreram e, assim, comece a evitá-los com medo de que eles disparem outra crise. É o medo de ter medo.
"Tive uma primeira crise em uma loja. Fiquei escorada no balcão, parecia que eu ia desmaiar ou morrer. Tive náuseas, e tudo no que eu pensava era em correr para a minha casa, para o meu quarto, sumir dali. Dois dias depois, quando fui sair sozinha, não consegui, parecia que tudo aquilo iria acontecer novamente. Fiquei uma semana sem ir ao trabalho nem ao curso que fazia.", conta Karine Vianna, 18.
Segundo Asbahr, a síndrome do pânico é um problema de ansiedade. E ansiedade é algo que todo mundo sente na vida, o que não faz da síndrome do pânico uma epidemia geral.
"Ansiedade, até determinado grau, é uma característica de personalidade. Dependendo do grau de intensidade, pode se tornar uma disfunção. A adolescência é uma fase conturbada por si só, e isso já causa muita ansiedade. Quem tem predisposição ao pânico, poderá apresentar mais claramente seus sintomas na adolescência", diz. "Por isso é muito importante que se faça uma avaliação médica de cada caso." (veja no quadro os locais onde avaliação e tratamento podem ser feitos).
Avaliação também é a aposta de Rosana Laiza, 43, presidente da Associação Nacional de Síndrome do Pânico, para a prevenção do surgimento repentino da doença. "Não é regra, mas uma pessoa perfeccionista, que não se permite errar, que é tensa, que se culpa muito, que se cobra e que cobra os outros é um prato cheio para o desenvolvimento de síndrome do pânico. Essa pessoa deve fazer um trabalho preventivo, o que quase nunca ocorre."
É preciso ter cuidado na hora de escolher o profissional com quem se tratar. Com o avanço da ciência médica, e a descoberta de medicamentos para os mais diversos fins, há quem pregue que remédio para síndrome do pânico seja para a vida inteira.
"As doenças viraram outro objeto de consumo. A tendência é transformar todo mundo em clientes, e os laboratórios farmacêuticos são empresas comerciais", alerta Raul Gorayeb, 53, coordenador do setor da infância e da adolescência do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo.
Para ele, apesar de a síndrome do pânico ser reconhecida e catalogada como uma doença, ela nada mais é do que "um nome inventado para uma crise aguda de ansiedade". "Para mim, é um sintoma, como a febre, e quer dizer que algo não vai bem mental ou emocionalmente. O jovem que sente essa ansiedade precisa de ajuda para descobrir o sentido disso, que pode estar oculto ou obstruído, mas existe."


Colaborou Carolina Frederico

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