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Em São Paulo, "Os Eleitos" também vivem no inferno
Conhece aquele filme "Os Eleitos", sobre os primeiros
astronautas americanos? Em inglês se chama "The
Right Stuff", mesmo nome do livro do jornalista Tom
Wolfe no qual foi baseado.
O tal "right stuff", uma espécie de "algo a mais", é o
que todo piloto de teste achava que tinha. Acidentes, erros de pilotagem, mortes? Isso era para os outro pilotos,
não para ele. Porque ele tinha o "right stuff". Até que
seu dia chega. O avião cai, ele morre e um misterioso
homem de preto vai dar a notícia a sua mulher.
Lembrei do livro e do filme quando escrevi, há algumas semanas, sobre a morte do guitarrista Marcelo Fromer, dos Titãs, atropelado por uma moto em São Paulo.
Como resposta, recebi vários e-mails na linha "o cara
foi bobão", "ele marcou", "atravessou fora da faixa".
Como se se distrair numa rua movimentada fosse falta a
ser punida imediatamente com a morte!
O fato é que, como defesa por viver numa cidade tão
infernal, os paulistanos começam a achar que têm o
"right stuff", que com eles nunca vai acontecer nada.
Fulana foi assaltada no sinal? Bobeou, deixou o vidro
aberto. O primo do outro foi assassinado? Azar, ninguém mandou se meter com uns tipos estranhos. A casa
foi roubada? Quem mandou não botar alarme...
E assim vai. Até que acontece com a gente. E o homem
de preto aparece.
Nesta semana voltei a lembrar de "Os Eleitos". É que,
por coincidência, li na internet duas revistas de economia que falavam sobre segurança em São Paulo.
A primeira, inglesa, descrevia a vida em condomínios
fechados, fazia as contas dos helicópteros que executivos usam para escapar do trânsito (e dos bandidos) e falava do sucesso de carros blindados entre a burguesia
paulistana. Se a palavra "Brasil", ao longo do texto, tivesse sido trocada por "Colômbia" ou "África do Sul",
eu diria "nossa, como é difícil morar nesses lugares". Só
que eles estavam falando do nosso país.
Na segunda revista, brasileira, o tom era diferente.
Tratava-se de uma reportagem sobre um empresário de
São Paulo, conhecido pela ousadia. O texto, em absoluto deslumbramento, começa descrevendo a chegada à
casa do tal mauricinho: os muros altos, as portas que se
abrem automaticamente, a escr... digo, empregada na
porta, as câmeras que vigiam tudo.
E, ao longo da reportagem, esses itens de segurança
ganhavam tratamento de símbolos de status, misturados ao chá preto "do Sri Lanka" e à cadeira desenhada
por um "mestre português".
Ser um dos "Eleitos", em São Paulo, não é nascer com
o tal "right stuff". É comprá-lo.
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