São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 2005

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LITERATURA

"O Pequeno Fascista", de Fernando Bonassi, investiga as raízes da violência na sociedade ao colocar contra a parede a atual maneira de contar histórias para jovens e crianças

O mal pela raiz

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

No começo, ele não queria nascer. Pra que sair do conforto da barriga da mãe e enfrentar o mundo desconhecido? Depois, ao se dar conta do que havia em torno -uma família desestruturada e muita solidão-, foi ficando revoltado. Não respeitava mais os colegas nem os pais. Se transformou, aos poucos, em um "pequeno fascista". Só pensava em como fazer para se dar bem, comer feito um guloso e tirar vantagem dos mais fracos.
Como nasceu esse monstrinho? Em "O Pequeno Fascista", o escritor Fernando Bonassi, 42, investiga as razões pelas quais a sociedade tem reproduzido a violência nas novas gerações. Polêmico, optou por abordar o tema por meio de um mau exemplo, um menino ruim que não se converte em menino bom no fim do livro.
Bonassi fez questão de não concluir a história com uma solução moral nem com um final feliz, pois acredita que personificar o problema é mais eficiente do que já entregá-lo resolvido para o leitor.
Pra você, o escritor deixa o desafio de tentar explicar o que é o mal, na esperança de que, assim, ele deixe de se propagar.
 

Folha - Por que um fascista?
Fernando Bonassi -
Primeiro, para recolocar a discussão político-ideológica nas escolas. Por outro, para investigar a herança do fascismo. Personificá-lo, para que possamos entendê-lo.

Folha - A solidão explica o comportamento do Pequeno Fascista?
Bonassi -
O isolamento é a mola mestra da violência. Quando entramos em contato com os outros é que aprendemos a relevar e relativizar nossas crenças, manias e obsessões. Assim solidificamos nossa postura democrática. Acredito que só o encontro, o debate coletivo e a socialização de nossas expectativas e medos é que podem formar uma geração sintonizada com o que interessa para sermos um país de verdade.

Folha - Esse livro vai contra a corrente do que se faz hoje em termos de literatura infanto-juvenil. Por que o escreveu?
Bonassi -
Minha experiência recente em escolas e bibliotecas da periferia diz que o mau exemplo faz muito mais sentido que o bom. Que adianta dar uma história bonitinha, onde os personagens trabalham, têm casa e carro, quando a maioria dos que as lêem vive situações piores do que essa?

Folha - Se compararmos a literatura infanto-juvenil hoje com clássicos como "Chapeuzinho Vermelho" ou "Patinho Feio", veremos que esses tratavam de temas muito mais sombrios. Como você vê o politicamente correto nos livros atuais?
Bonassi -
As escolas hoje preferem receber material didático digerido das editoras, para que as polêmicas se encerrem com algum tipo de "final feliz" ou "moral da história". Se ouvirmos os alunos, vamos ver que eles já estão cheios dessas "maquinações pedagógicas". É bem mais difícil para instituições e professores encararem os fatos e assumirem que estão defasados em relação ao que se passa.
Nunca foi tão difícil para uma geração saber o que é certo ou errado. Temos obrigação de evidenciar nossa perplexidade, não essa tentativa de dar sentido a tudo.

Folha - Como você espera que os conflitos que "O Pequeno Fascista" propõe se resolvam na cabeça dos leitores jovens?
Bonassi -
Espero que a discussão em torno dos maus exemplos faça com que alguns entendam que essa dinâmica da violência respondendo à violência não tem uma saída que não seja a destruição e a morte.
Vivo me perguntando: como é que podemos conhecer o bem sem conceber o mal?


O PEQUENO FASCISTA. Autor: Fernando Bonassi. Editora: Cosac Naify. Preço: R$ 25 (60 págs.)


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