São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 2005

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FAMÍLIA

Fugir de casa é uma idéia que passa pela cabeça de muitos adolescentes quando as obrigações familiares pesam; conheça a experiência de alguns jovens que quebraram a cara na aventura

Fuga ao redor

ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

"Dezessete anos e fugiu de casa às 7h da manhã do dia errado..." A história da música "Natasha", do Capital Inicial, que conta as aventuras da garota que "deixou para trás os pais e o namorado", poderia ser a trilha perfeita para milhares de adolescentes que desaparecem de casa todos os anos. Da mesma forma que na canção, normalmente eles também dançam. A desilusão é quase imediata e a maioria acaba voltando para casa.
Foi o caso de Renata (nome fictício), 14, que mora em uma pequena cidade de Minas Gerais. No ano passado, com 13 anos, ela saiu de casa no meio da noite com mais duas amigas de 15 anos e pegou um ônibus para o Rio de Janeiro. "Eu estava cansada da rotina, da minha mãe me prendendo."
Ao sair, deixou um bilhete dizendo que não ia mais voltar. "Fomos com pouco dinheiro, não nos importávamos de passar fome. A gente queria chegar em uma cidade de praia e viver lá", conta.
No entanto, a viagem acabou antes mesmo de começar: seus pais rapidamente acionaram a polícia, que parou o ônibus no Estado do Rio. Depois de algumas horas, os pais das garotas foram buscá-las.
A vontade de viver um "amor proibido" levou Gabriella Schiavinato, 19, a fugir de casa aos 15. O pai dela não aceitava o namoro. "Não gostava dos amigos dele, era uma galera "da pesada". Ele até me mandou passar as férias inteiras na praia para me afastar dele. Mas, na primeira vez que vim a São Paulo, saí de madrugada para ficar com ele e fomos morar juntos."
Depois de um ano e meio, ela voltou para casa após uma briga por ciúmes. "Vi que meu pai tinha razão. Hoje eu me arrependo de ter fugido, não faria isso de novo", diz.
O velho truque de colocar travesseiros sob as cobertas da cama para enganar a família foi o aplicado por Gilda (nome fictício), 18, há duas semanas, quando fugiu de casa para sair à noite com os amigos.
"Meus pais nunca deixam, só quando é uma festa especial, e mesmo assim tenho que avisar com meses de antecedência."
Quando viu que os pais estavam dormindo, arrumou a cama com travesseiros embaixo da coberta e saiu na ponta dos pés. "Curti muito, mas com medo de eles perceberem. Quando voltei, estava tudo como eu havia deixado. Ainda bem!".
Danilo Eidy, 23, levava uma vida normal em Brasília há quatro anos: não tinha problemas em casa, estava na faculdade, namorava, ganhava mesada e costumava pegar o carro da mãe emprestado.
"Eu simplesmente fui. Tive a idéia, arrumei a mala, comprei um guia, apontei para uma cidade qualquer e comprei uma passagem de ônibus para lá. Eu queria ver aonde o destino ia me levar."
Depois de três meses circulando por cidades de Minas Gerais, trabalhando na montagem de um circo e tocando violão em bares, ele foi localizado pela família com a ajuda da polícia. Nesse dia, conversou por telefone com os pais e, a partir daí, começou a ligar outras vezes para casa.
"Um dia, minha tia disse que queria me buscar, e eu aceitei. Quando ela chegou, alugou um quarto no melhor hotel da cidade e finalmente tomei um banho decente. Eu levava uma vida desconfortável, e o juízo acabou voltando. Pensando bem, era melhor estar em casa, fazendo faculdade, do que tocando violão para desconhecidos. Quando cheguei em casa, todos me abraçaram. Depois, me fizeram a pergunta que não consigo responder: "Por que fugiu?'"
Para entender as causas que levam os jovens a fugir, ajudar a solucionar os casos de desaparecimento e dar suporte psicológico para essas famílias foi criado o projeto Caminho de Volta, uma parceria do Centro de Ciências Forenses da Faculdade de Medicina da USP com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos e com o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Segundo o projeto, cerca de 30 mil crianças e adolescentes desaparecem de casa a cada ano (número que inclui as fugas). Destes 80% voltam.
"Estamos fazendo um estudo epidemiológico com os familiares dos jovens desaparecidos e com outras famílias do mesmo bairro e classe social para tentar descobrir quais são os motivos de fuga que dizem respeito ao próprio adolescente", afirma a coordenadora-geral Gilka Gattas.
Para o psicanalista Martin Aguirre, terapeuta familiar do Instituto A Casa, as fugas na classe média e alta, em geral, são motivadas por dois fatores: dificuldade de relacionamento familiar e vontade de conquistar a independência. "O adolescente que foge tenta atingir um grau de liberdade que só é conquistado com a maturidade, pois esperar a hora certa significa ter de se submeter a diversas regras familiares e sociais."
Para a psicóloga Leila Cury Tardivo, professora de psicologia clínica da USP, o problema é que essa vontade normalmente vem acompanhada da falta de consciência das obrigações que a vida adulta acarreta.
"Essa sensação de não-pertencimento à família é muito comum. Mas, quando há uma fuga, isso revela uma impossibilidade de buscar o afastamento de forma mais saudável. Muitas vezes eles se expõem a perigos sem o menor preparo", diz ela.


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