São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2004

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ARTES CÊNICAS

Aos 21, Sheylli Caleffi é revelação em um dos mais importantes eventos teatrais do país

Jovem diretora enfrenta Beckett em Curitiba

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
A diretora Sheylli Caleffi, que teve malária enquanto sua peça foi mostrada


VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Ela gastou 150 "pilas", como se diz por aqui, em ingressos para a maratona de peças no 13º Festival de Teatro de Curitiba, um dos mais importantes do Brasil, mas passou 11 dias de molho, tombada pela malária, doença que contraiu em uma viagem ao Amazonas.
Uma das revelações locais em direção teatral, Sheylli Caleffi, 21, foi submetida a uma quarentena forçada, à base de remédios, justamente quando a cena teatral da cidade borbulhava com a presença de grupos vindos de vários Estados. O término do festival estava marcado para ontem e reuniu cerca de 150 espetáculos.
Foi uma situação digna do teatro do absurdo (gênero surgido na Europa na metade dos anos 50, com personagens geralmente indefinidos, em cenas desconexas e histórias sem necessariamente início, meio ou fim).
Sheylli Caleffi, 21, tira de letra. No final de 2003, ela criou uma versão infantil de "Esperando Godot" para a prova pública de conclusão do curso de direção na Faculdade de Artes do Paraná.
A peça do irlandês Samuel Beckett (1908-89) é considerada um dos ícones do teatro do absurdo. Encenadores renomados de todo o planeta consideram sempre um desafio montá-la.
Dois amigos, Vladimir e Estragon, aguardam um terceiro, Godot, que nunca chega. É uma farsa trágica plena de silêncios e frases curtas para diálogos existenciais, metafísicos, entre Didi e Gogo, como foram rebatizados os personagens em "Faltou Luz, mas Era Dia".
O espetáculo é destinado a crianças maiores de sete anos e participou do segmento infantil do Fringe, a mostra alternativa do Festival de Teatro de Curitiba.
"Enfatizamos a amizade de Vladimir e Estragon. Eles se mantêm de pé mesmo em momentos desoladores", diz a diretora. Sheylli juntou-se ao grupo Cercênico, no qual as atrizes Anne Sibele Celli, 21, Karina Pereira, 24, Natasha Gandelman, 22, Patrícia Saravy, 24, e Rafaella Marques, 21, já abraçavam o texto de Beckett para a prova pública.
A diretora afirma que o espetáculo não ficou difícil e conseguiu levar às crianças temas que os próprios adultos têm dificuldade em enfrentar, como a morte e a angústia da existência.
"Durante a invasão dos EUA ao Iraque, no ano passado, o filho de quatro anos de um amigo viu pela TV a imagem de uma criança no hospital, vítima dos bombardeios, sem os bracinhos, e perguntou se eles nasceriam de novo. Beckett ajuda a responder a isso de forma sutil", diz.
"Faltou Luz, mas Era Dia" teve espaço para curta temporada em janeiro, foi apresentado em escolas da periferia e agora voltou ao Fringe. Na mostra, Sheylli dirigiu ainda "Obscuro Desejo dos Objetos", monólogo com a atriz Janja, inspirado em Clarice Lispector.
Irmã do meio de Sharon, 24, e Shana, 20 ("os nomes são pura invencionice de grávida que fica olhando os créditos finais dos filmes"), Sheylli nasceu em Pato Branco, cidade paranaense a 440 km de Curitiba, de pais com ascendência italiana e polonesa.
"Quando era pequena, os mais velhos me chamavam de metida, distraída. Demorei muito tempo para descobrir o lado positivo disso. Prestava atenção a muitas coisas ao mesmo tempo", diz.


O jornalista Valmir Santos viajou a convite da organização do 13º FTC


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