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free way
Vai um lixinho aí, tio?
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Não sei o que é mais triste: se o
ótimo "Central do Brasil" ter perdido o Oscar para o comercial e
superficialóide "La Vita è Bella"
ou o fato de os brasileiros torcerem e depois ficarem acabrunhados com a perda da estatueta. O
Oscar, tanto por aquilo que representa -uma indústria cinematográfica, o que já é um oxímoro deprimente-quanto por
sua própria iconografia -aquela
estatueta rombuda, revestida do
dourado típico da breguice americana-, vem simbolizar a inelutável rendição de todos nós, periféricos, à indústria do lixo que
nos exportam.
Já é uma involução histórica: no
começo, exportávamos minério e
recebíamos produtos acabados,
depois vendíamos produtos agrícolas e recebíamos bens industrializados ou capital, hoje exportamos sensibilidade e importamos porcaria.
É uma tradição histórica do
brasileiro: nunca nos revoltamos
contra ninguém, nunca tivemos
uma ruptura histórica que permitisse a criação de uma identidade
nacional. Assim, ficamos capengando pela falta de amor-próprio
nacional e pegamos emprestados
dos outros -quem deu certo-
suas características. E, quando estas não são imitáveis, ficamos pelo menos com o cacoete.
Um passeio pelas ruas e pelos
colégios brasileiros é a mostra do
pior colonialismo que existe, que
é a condição de rebaixado e feliz.
Assim, vêem-se os guris usando
como símbolo de status os mesmos bonés e camisetas de time e
os tênis Nike que aqui são usados
pelos remendados dos guetos de
hispânicos e negros. As lojas brasileiras vendem tudo em "sale",
os filmes vistos aí
são essa paçoca debilóide,
que não faz
sentido pra
quem mora
aqui, quanto
mais para os
tupinambás.
Nos esportes,
o país de
baixinhos
que é o
nosso sonha em ser a segunda pátria do basquete, idolatrando a
NBA. Os boys usam as calças e camisas da Guess, símbolos de opulência aí e de mau gosto barato
por aqui, e, antes de sair, tomam a
chocha Budweiser (putz, que saudade de uma Antártica). Dos carros, então, nem se fala: pagavam-se uns 70 mil dólares por carro
que aqui não custa nem 30 mil. A
TV, que por si só sempre foi
bem fraquinha, agora entrou na onda de
retransmitir os
infames "sitcoms" daqui,
e assim ficam
os brasileiros
prostrados em
frente às suas telinhas, vendo os
"Seinfeld" e
"Friends" da vida,
monumentos que são a todos os
cabeças ocas do mundo. Até o telejornalismo nacional, que sempre manteve um nível admirável
dadas as condições locais, vem
caindo na vala comum do "entretenimento", e dê-lhe primeira
mamada da filha da Xuxa, primeira espinha de uma taturana
em cativeiro e demais irrelevâncias mundo afora.
Sair à noite pra dançar, então, é
um deus-nos-acuda: ensanduichado entre uma música baiana,
mandando segurar não sei o quê e
girar não sei qual outro, e as batidas monocórdias importadas daqui, só resta ao coitado festeiro ir
aproveitar o único monumento
brasileiro que permanece sem silicone: a mulher. No campo da
música pop, pelo menos temos
uma vantagem: ao contrário do
cinema e da TV, em relação aos
quais se espera alguns anos para
que o pastelão chegue velho e,
ainda por cima, dublado (aaai),
temos o privilégio de repartir o lixo quase que simultaneamente e
ouvir fanaticamente a mesma
porcaria pré-fabricada por meia
dúzia de marqueteiros das gravadoras.
Tristes sinais de um povo que,
depois de quase 500 anos, não se
encontrou com a sua alma. Aliás,
minto: o povo está bem, obrigado, quem fica nessas de ir dormir
codorna e acordar faisão são as
elites, sempre alheias ao andar de
baixo e maravilhadas com a "mudernidade" dos daqui.
Não tem nada, não. É só deixar
esse pessoal falar sozinho. Quando abrirem a boca, dê um desconto. Assim, uns 50% off.
Gustavo Ioschpe, 22, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política
na University of Pennsylvania, EUA, e-mail:
desembucha@cyberdude.com
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