São Paulo, Segunda-feira, 29 de Março de 1999
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Pit bull é alegoria da violência urbana

Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
'O problema não é o cão, é o homem', diz Carolina Góes, 16, campeã de jui-jítsu, com sua cadela


SILVIA RUIZ
da Reportagem Local

Ele tem a agilidade de um gato, a mordida de um tubarão, a força de um touro, cara de mau e espanta todo mundo na rua. Nas últimas semanas, ganhou as páginas dos jornais. O Ministério da Justiça enviou ao Palácio do Planalto um projeto de lei proibindo a comercialização e procriação do cachorro. O argumento: ele é violento, com instinto assassino.
E quem curte o bicho? ""A maioria é adolescente de classe média alta, da zona sul, que quer o pit pela imagem que ele tem de violento. Assim como muitos fazem jiu-jítsu, raspam o cabelo...", diz o dono do canil Violence & Force, especializado em pit, Alexandre Bueno.
O criador Marcelo Tadeu Carvalho, 29, completa: ""O pit bull está na moda, é símbolo de status. O cara sai na rua, todo mundo olha, ele fica todo realizado. Dos que me procuram, 90% só querem comprar para dizer que têm. Quer ter o cão como uma arma calibre 12".
Esse fenômeno se explica pelo aumento da violência como um todo na sociedade, diz o psicólogo Otávio Campregher Jr. ""As pessoas querem um guarda-costas para se sentir respeitadas, como se fosse uma arma. Em geral, quem procura um cão assim busca a autodefesa ou suprir a necessidade de ter poder sobre os outros por meio da agressividade", diz ele.
Mas, ao canalizar o potencial agressivo do pit bull para a violência, muita gente pode acabar mal, acabar agredido pelo próprio cão ou então ter de responder pela agressão contra terceiros.
Os proprietários dos cães rebatem com protestos, como a passeata ocorrida há duas semanas em São Paulo.
""Isso é um absurdo. Qualquer animal tem potencial para ficar bravo. Tudo depende de como ele é tratado. O problema não é o cão, é o homem", diz a estudante e campeã brasileira de jiu-jítsu Carolina Góes, 16, dona de uma cadela pit bull de 8 meses.
Assim como ela, vários criadores, veterinários e especialistas em comportamento animal concordam que a personalidade do cão pode ser moldada pelo dono, pela forma como ele trata o animal, e que o pit bull não é necessariamente um cachorro ""do mal".
""Foxes e poodles também podem virar feras se forem maltratados e condicionados para isso", diz o veterinário Marcelo de Menezes Brandão, diretor do Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo. Segundo ele, a cidade teve 16 mil casos de agressão de cachorros de diferentes raças no ano passado. ""Estima-se que, do 1,5 milhão de cachorros da cidade, apenas 1.000 sejam pit bulls. Estatisticamente, os ataques de pit bulls tornam-se insignificantes dentro desse total."
O problema, diz o veterinário, é que, devido à fama de bravo e ao visual agressivo, ele atrai gente disposta a tê-lo como um cão violento e a treiná-lo para o ataque.
Os próprios criadores confirmam a tendência. ""Eu nunca disse que o pit bull é santo, assim como eu e você não somos", diz o veterinário Walter Biazotto. ""Esse cão requer cuidados e um dono que saiba muito bem o que está fazendo. Acabar com a raça não vai resolver um problema que é muito maior: a ignorância das pessoas."


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