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São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 2003

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"Original Pirate Material", álbum de estréia do The Streets, projeto solo do jovem rapper britânico Mike Skinner, foi apontado pela redação do Folhateen como um dos melhores discos do ano passado não lançados no Brasil. Com a presença de Skinner entre as principais atrações do TIM Festival (que acontece no Rio de 30/10 a 1º/11), a Warner promete lançar "Original Pirate Material" em outubro. Leia abaixo um perfil de Skinner publicado no jornal londrino "The Independent"

Piratas e original

Divulgação
O rapper britÂnico Mike Skinner, que faz show no Brasil em 1° /11 , no TIM Festival, no Rio


ANDY GILL
DO "THE INDEPENDENT"

Seu álbum de estréia, "Original Pirate Material", já vendeu mais de 200 mil cópias desde que foi lançado, em março de 2002, e ele recebeu indicações para as principais categorias do Brit Awards e do Mercury Prize, uns dos prêmios mais cobiçados da música pop britânica.
Compreensivelmente, seu pai, John, está orgulhoso, embora se mostre um pouco surpreso com tudo o que vem acontecendo. "A família inteira está espantada com o sucesso de Mike. Afinal, ele nem sabe cantar." Obrigado, pai!
Mesmo assim, não é nada mau para um jovem que gravou seu álbum em seu quarto-e-sala e que, poucos anos atrás, ainda trabalhava fritando hambúrgueres no Burger King. Nem é por acaso que fast food apareça com tanta frequência nas letras de seus raps, que pintam retratos contundentes da vida dos adolescentes no Reino Unido de Tony Blair -uma cultura enfadonha, sem esperança, beco sem saída, feita de drogas, álcool, dívidas, videogames e violência, tudo isso temperado por comida árabe, do MacDonalds ou do KFC. É o retrato mais intransigente pintado até agora pelo cenário urbano/ hip-hop britânico sobre como a Nova Depressão está sendo encarada pela geração chapada em sua passagem para o estado adulto.
Embora seja apresentado (e promovido) como parte do cenário UK garage, o som e o estilo do The Streets guarda pouca relação com os baixos retumbantes e o materialismo "plim plim" de bandas como So Solid Crew. As batidas de Skinner são um composto criativo e inesperado de UK garage, de hip hop e de ragga, magras e irritantes como um teen viciado em heroína. E sua visão de mundo parece opor-se diametralmente às afirmações pomposas e ao estilo de vida de vidros escuros preferido pela maioria das bandas de UK garage. Skinner gostaria de ser aceito pela comunidade UK garage, mas entende que é pouco provável que isso aconteça.
Seja como for, Skinner reconhece que não faz muito sentido ele se mostrar intransigente e pronto para confrontos, porque ele não é bom nesse tipo de coisa: "Sempre fui irreverente, mas nunca tive com que defender meu ponto de vista", explica. Na escola, ele costumava ser vítima dos grandões e dos valentões e tinha seus objetos roubados. Uma vez, numa aula de arte, assinou um desenho como "MC Lethal". Virou alvo de zombaria.
Apesar disso, fica claro que ele ainda conserva uma certa admiração reprimida por esse tipo de atitude: Skinner chega a ponto de dedicar seu álbum em parte a "todos os sujeitos que me espancaram e me roubaram". Ou será que está apenas sendo irônico, esfregando seu sucesso na cara deles?
É possível que seja isso: suas letras possuem um humor autocrítico e propositadamente inexpressivo que acrescenta um toque ambíguo às histórias de depressão e de libertinagem, de modo que você nunca sabe ao certo se ele quer que você se solidarize com ele ou se está se expondo intencionalmente ao ridículo.
Embora não haja dúvidas de que Skinner trabalhe duro em seus versos, tomando cuidado para evitar os clichês hip hop, ele zomba da idéia de fazer poesia. "Poetas são babacas. Eu não sou", afirmou em suas primeiras entrevistas. Ao falar de seu trabalho, explicou: "É um trabalho, uma habilidade que se desenvolve. Não sou artista, acho. Um artista é alguém que tem prazer no que faz. A música é minha vida e minha paixão, mas o único prazer que eu tenho com ela é saber que as pessoas estão curtindo".
Nem todos concordam com ele. David Bowie, que sempre gosta de se manter a par das novidades no cenário pop, discorda da avaliação que o rapper fez de si mesmo. "Acho Mike Skinner muito bom", disse na época do Mercury Prize do ano passado. "Ele é um ótimo poeta." Outros defensores de Skinner incluem praticantes eternos do britpop, como Damon Albarn, Noel Gallagher e Chris Martin, do Coldplay.
Skinner nasceu em Londres, em 1979, mas foi criado em West Heath, Birmingham. Ele vê sua criação com ambivalência. "Não quero ser considerado de classe média. Não tive uma vida fácil", ele admite, "mas, se andasse por aí dizendo que sou da classe operária, acho que o pessoal de Sheffield me daria uma surra. Estou mais ou menos no meio. Meu pai não trabalhava numa fábrica -era vendedor e acabou sendo bem-sucedido. Eu não era pobre, mas também não havia muito dinheiro na família. Uma coisa bem sem graça".
A mesma coisa se aplica a seu sotaque: embora tenha sido criado em Birmingham, o sotaque de Skinner em "Original Pirate Material" é "cockney" puro (pronúncia da classe trabalhadora londrina). "Os "brummies" (naturais de Birmingham) dizem que eu falo como londrino, e os londrinos dizem que eu sôo como "brummie'", diz Skinner. "Não vou esquentar a cabeça. O sotaque é quem você quer ser."
Durante algum tempo, em sua adolescência, Skinner quis ser americano. Atraído pelo glamour fora-da-lei do hip hop, ele e um grupo de amigos formaram uma banda de rap e tentaram gravar faixas no quarto dele, usando um guarda-roupa e um colchão improvisados como uma cabine de som. Ninguém se interessou, muito menos as gravadoras para as quais ele mandou as fitas demo. Aos 19 anos, ele largou tudo e acompanhou a namorada até a Austrália, carregando seus samplers. Uma semana depois de chegarem lá, ela o abandonou e, durante o ano seguinte, ele mergulhou no submundo decadente do bairro de King's Cross, em Sydney, infestado de heroína e de prostitutas, enquanto produzia mais versos e batidas. Orientado pelos conselhos recebidos das gravadoras que tinham rejeitado seus primeiros esforços -basicamente: "Não tente copiar outra pessoa, seja fiel a você mesmo"-, Skinner começou a criar uma forma inglesa de hip hop. "Percebi que ser você mesmo é o melhor caminho a seguir, de modo que o hip hop foi ficando mais britânico", explica. "Meu estilo atual é fruto de um movimento pensado, algo que calculei que funcionaria. Se você quer ser os próximos Beatles, precisa fazer algo inteiramente novo, como eles fizeram, e não apenas copiá-los, como o Oasis fez."
Assim, depois de ter a idéia de fazer um álbum hip hop conceitual sobre um dia na vida de um sujeito qualquer -uma espécie de "Ulisses" rap [romance de autoria do escritor irlandês James Joyce (1882-1941) construído com uma técnica literária revolucionária], por assim dizer-, Skinner voltou à Inglaterra, onde foi morar em Brixton e passou a criar mais faixas como The Streets.
"É um nome muito bom", defende, "porque é exatamente o que você vê onde quer que ande -é a Inglaterra da classe operária. Não é sobre tentar ser "do gueto", é simplesmente o que é normal para mim. Nunca morei num conjunto habitacional do governo, mas também não nasci em berço de ouro, não."


Tradução de Clara Allain


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