Incorrompido, Serguei chega aos 75 anos e abre o seu Templo do Rock para receber o Folhateen

MAYRA DIAS GOMES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em 1979, Lester Bangs -crítico de música dos anos 1960- publicou a seguinte frase: "Há uma diferença importante entre "moda" e "estilo'". É como a diferença entre "normal" e "saudável". Ele falava de David Johansen, líder do New York Dolls, que ficou conhecido nos anos 1970 não somente pelo visual composto por plataformas e maquiagem, mas por influenciar toda uma geração de músicos como a banda Kiss.
Antes disso, eram Alice Cooper e T. Rex que estavam pintando o rosto. Marc Bolan havia conquistado a Inglaterra e repercutido no mundo, inclusive no Brasil, onde surgiram os Secos e Molhados. Mas, antes de tudo isso, já havia Serguei.

Delineador da mãe
Foi em pleno regime militar, em 1967, que Sérgio Augusto Bustamante subiu na estátua do Pequeno Jornaleiro, na av. Rio Branco, no centro do Rio, com o rosto maquiado, para dar vivas ao rock e à liberdade de imprensa. Em 1951, aos 18 anos, já atestava sua excentricidade ao pintar os olhos com o delineador da mãe.
Insatisfeito com o país onde morava, foi para os EUA, onde se apaixonou pela psicodelia. Entre 1966 e 1967, gravou "Eu Não Volto Mais", "Maria Antonieta Sem Bolinhos", "Sou Psicodélico" e "As Alucinações de Serguei".
Incorrompido, Serguei pavoneia o significado da palavra "rock'n'roll" até hoje, aos 74. Afinal, o estilo nasceu com ele.
Ao observá-lo passar pó na pele fina de seu rosto, constatei que faz isso com a mesma naturalidade com que um pintor pinta um quadro ciente de que é sua missão.
"Desde 1955, eu já usava o cabelo na cara, os olhos pintados e um batom roxo. Tinha uma coisa cênica de descascar uma banana e jogar na cara do "júri". Não era uma atitude regional, era internacional. Isso só chegou ao Brasil em 1970."

No Templo do Rock
Cheguei a Saquarema (RJ), onde Serguei mora sozinho desde 1982, e descobri que o Templo do Rock, sua residência, já recebeu mais de 18 mil visitantes. É o museu de sua vida e do rock através de seus olhos. As paredes possuem artigos e fotos e também homenagens aos Stones, Elvis, Grateful Dead, The Doors, e, é claro, Janis Joplin, que notoriamente compartilhou momentos íntimos com Serguei, tanto nos EUA como no Brasil.
Ao explicar as recordações expostas pela casa, porém, disse algo inesperado: "Chega de Janis Joplin!". Contudo, eventualmente falou da musa. "Eu a vi tomar banho de chuveiro, cantar, falar, me dar esporro. Era mandona e irritada. Acordava suada, com biscoitos colados nas costas. Gostava de comer biscoitos quando estava muito doida."
Sobre ter ou não usado drogas, simplifica: "O cara fica rindo o dia inteiro, não liga pra nada. Dizem: "Mataram sua mãe!", e ele responde: "Que merda". Não tem como!".

A chegada dos 75 anos
Serguei fará 75 anos em novembro e tem simples almejos: continuar trazendo pessoas ao Templo, viajar e meter a casa na TV de vez em quando. "Quando você faz 40 anos, é a coroa mãe da Martinha. Com 60, é aquele velho que mora naquela casa. Com 75, é o que morreu na semana passada. Não posso agüentar uma merda dessas", explica.
Também não atura a ignorância de sua nação e, talvez congelado nos EUA dos anos 1960 e 1970, sonha em retornar. "Os Estados brasileiros deviam ser autônomos. São Paulo devia ser um país independente, pois já é um país enfiado dentro de outro. Também tinham que pegar o Sul, fazer um embrulho e montar um país. E botar a capital de volta no Rio."

Política não
Apesar das opiniões fortes e dos problemas com a ditadura nos anos 1970, Serguei nunca se envolveu com política. Para ele, nascer é um ato político. Já morrer é a sublimação de tudo.
"Não posso deixar meus cachorros, eles vão morrer antes de mim, mas deixo o exemplo de que viver é sublime. Não acho que a arte consista em imitar alguma coisa, viemos ao mundo para criar. Eu criei um estilo dentro do rock'n'roll."