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Saúde
Até a última gota
Novas pesquisas indicam que adolescentes começam a beber cada vez mais cedo e de forma abusiva
Danilo Verpa/Folha Imagem
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LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Véspera de feriado
em uma escola de
elite da zona oeste
de São Paulo. Quando soa a campainha
que marca o fim das aulas, o
destino é o mesmo para vários
alunos: o boteco mais próximo.
Sinuca, cerveja e pandeiro
embalam o início da tarde. Para
alguns, a balada vespertina é
eventual. Mas, para outros, como Rafael, 15, o bar é passagem
obrigatória depois das aulas.
Pelo menos quatro vezes por
semana, ele toma entre quatro
e cinco garrafas de cerveja com
os amigos, enquanto joga uma
partida de sinuca na saída do
colégio. Na sexta, inclui também quatro doses de pinga.
"Geralmente bebo porque
estou de saco cheio da semana e
quero dar um "relax". Gosto de
ficar bêbado", conta o estudante. Para ele, que se considerava
um garoto tímido e "travado"
até dois anos atrás, a bebida "facilita várias coisas". "O humor
muda, a auto-estima melhora,
fica mais fácil de interagir."
Rafael provou bebida alcoólica, oferecida pelos pais, aos nove anos, e começou a beber com
regularidade aos 12.
O caso de Rafael não é exceção. Ele ilustra uma tendência
de comportamento que especialistas já detectaram entre os
adolescentes brasileiros: eles
começam a beber cedo e muitos bebem de forma abusiva.
Uma pesquisa elaborada pela
Unifesp em parceria com a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) - o 1º Levantamento
Nacional sobre os Padrões do
Consumo de Álcool na População Brasileira, realizado entre
novembro de 2005 e abril de
2006 com dados representativos de 100% da população brasileira-, mostra que a idade de
início de consumo de álcool diminuiu nos últimos anos.
Adolescentes que têm hoje
entre 18 e 25 começaram a beber aos 15,3, enquanto jovens
de 14 a 17 anos começaram aos
13,9 anos.
"É uma adolescência bastante tenra. Provavelmente isso é
uma tendência que vem acontecendo há muito tempo, de geração em geração", diz a psicóloga Ilana Pinsky, uma das responsáveis pela pesquisa.
De acordo com o estudo, dois
terços dos adolescentes são
abstinentes. Mas 16% do total
-ou metade dos que consomem álcool- já beberam em
"binge" (termo técnico que significa pelo menos quatro doses
em uma mesma ocasião), considerado o padrão de consumo
de mais alto risco. Entre esses,
30% fizeram isso duas vezes
por mês ou mais no último ano.
"O que importa não é se um
ou dois terços bebem, mas como eles bebem. O problema é
que, entre os que bebem, muitos bebem de forma abusiva",
completa a estudiosa.
Apesar de ser proibido vender bebidas alcoólicas para menores de idade, há pouca fiscalização, e são raros os bares que
pedem documento de identidade para jovens. A facilidade
de comprar, o preço baixo (o
Brasil está entre os países em
que a cerveja é mais barata) e a
grande tolerância social à bebida são fatores que contribuem
para o início precoce do consumo de álcool. "No Brasil, o álcool, além de ser altamente tolerado, é até estimulado; é visto
como uma coisa obrigatória em
muitas situações", comenta
Ilana Pinsky.
"Os adolescentes têm dificuldade de ver a bebida como uma
droga, como um problema", diz
a psiquiatra Sandra Scivoletto,
chefe do Ambulatório de Adolescentes e Drogas da Faculdade de Medicina da USP.
Colega de escola de Rafael,
João, 16, tem uma rotina parecida com a dele. Bate cartão no
boteco ao lado da escola quase
diariamente. Depois de tomar
cerveja no bar, ele vai para a casa e dorme. Chega atrasado na
escola freqüentemente e está
indo tão mal que se já considera praticamente reprovado.
"Vou mudar para uma escola
mais fácil para não perder o
ano", admite.
O caso de João ilustra uma
das principais conseqüências
do uso abusivo de álcool na
adolescência: o baixo desempenho escolar. "O jovem que bebe
fica mais lento e com a atenção
instável", diz a psiquiatra Ana
Cecília Marques, pesquisadora
da Unidade de Álcool e Drogas
(UNIAD) da Unifesp.
Além disso, a exposição a
doenças sexualmente transmissíveis e a acidentes de carros também são agravadas pelo
álcool. "Em grande quantidade,
o álcool desinibe, diminui a
atenção e provoca a perda dos
reflexos. O adolescente ainda
não tem a compreensão perfeita da realidade, por isso está exposto a muito mais riscos que
um adulto diante de uma intoxicação alcoólica", diz a presidente da Abead (Associação
Brasileira de Estudos de Álcool
e Drogas), Analice Gigliotti.
A longo prazo, os efeitos são
ainda mais nocivos. "A adolescência é a fase em que o cérebro tem mais condições fisiológicas de receber e processar informações. O excesso de álcool
dificulta o processo de aprendizagem. Isso pode resultar num
adulto com menos habilidades
intelectuais", afirma o toxicologista Anthony Wong, da USP.
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