São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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SEXO

Depois do dia seguinte

Por parecer uma solução fácil, garotas adotam pílula do dia seguinte como anticoncepcional sem perceber os riscos que o método envolve

ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Laura*, 18, já tomou a pílula do dia seguinte cinco vezes. O namorado dela sempre "esquece" de colocar a camisinha. Na quinta vez, no entanto, a pílula não funcionou. Quando foi ao médico, descobriu que estava grávida de gêmeos. "A mãe dela vai matá-la se souber que ela engravidou", conta a amiga Cláudia*, 16.
A história de Laura é emblemática: representa bem a "roubada" em que as meninas que abusam da pílula do dia seguinte podem se meter. E é cada vez maior o número de adolescentes que tomam o anticoncepcional de emergência como rotina. Em dois anos, aumentou 100% o número de garotas de 12 a 19 anos que compraram o medicamento com receita (veja quadro).
Além de não ser 100% segura para evitar gravidez, a contracepção de emergência não previne contra Aids e outras DSTs (doenças sexualmente transmissíveis). Os especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes em afirmar que o ideal é usar camisinha sempre, combinada a outro método, como a pílula convencional.
"O adolescente que abusa da pílula do dia seguinte é uma pessoa que tem alto risco de engravidar e de pegar Aids e DSTs, já que costuma ter relações desprotegidas. E isso está acontecendo cada vez mais, há meninas que tomam duas, três vezes no mesmo mês. É um absurdo. A gente não sabe que efeitos isso pode ter mais pra frente", diz Lélia de Souza Fernandes, ginecologista do programa de saúde do adolescente do Estado de São Paulo, que faz um trabalho estimulando o uso da camisinha entre jovens.
A pílula do dia seguinte, ao contrário do que muita gente pensa, não é mais um método anticoncepcional: é contracepção de emergência. Como o nome diz, é para ser usada em situações extremas: quando a camisinha se rompe ou em casos de estupro. Não deve ser usada como rotina, pois as duas pílulas aparentemente inofensivas da cartelinha carregam uma dose cavalar de hormônios -quase a mesma dosagem distribuída nas 21 pílulas da cartela convencional. Ou seja, a pessoa toma em um dia o que é para ser tomado em três semanas.
O corpo, é claro, sente o baque: a pílula do dia seguinte costuma provocar dor de cabeça, náusea, vômitos e alterar o ciclo menstrual. "Muitas meninas estão usando a contracepção de emergência como um método rotineiro, o que é grave por dois motivos: de um lado, elas não se protegem; de outro, essa pílula é para uso eventual", diz Manoel Girão, chefe do departamento de ginecologia da Unifesp. "Se a pessoa toma todo mês, já é muito."
A estudante de psicologia Joana*, 20, já perdeu a conta de todas as ocasiões em que tomou a pílula do dia seguinte. "Em algumas vezes, a camisinha estourou e, em outras, não usamos por desleixo mesmo." Ela chegou a tomar a pílula em duas semanas seguidas. "Fiquei um mês menstruada", lembra. "Senti que isso mexeu muito com o meu organismo. Agora estou tentando usar mais camisinha." Mas o namorado dela "odeia" usar preservativo. Normalmente, é ele quem compra a pílula do dia seguinte. "É o mínimo que ele pode fazer", acredita.
É muito comum os meninos comprarem o anticoncepcional de emergência para as meninas. Segundo pesquisas em farmácias, a procura é maior na segunda-feira. Nesse dia, também são mais freqüentes as consultas sobre o assunto feitas ao Disk-Adolescente, um serviço da Secretaria Estadual da Saúde (0/xx/11/3819-2022, das 11h às 14h). "Essa é uma das questões da segunda-feira", diz a ginecologista Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do programa de saúde da adolescência do Estado de São Paulo.
Ela diz não ser contra o anticoncepcional de emergência. "Quando usado como exceção, é um avanço. As mulheres têm mais uma opção para evitar a gravidez indesejada. Mas estamos vendo que o perigo é incorporar esse consumo a uma rotina."
Apesar de a embalagem das pílulas vir com a inscrição "Venda sob prescrição médica", na prática ninguém pede receita nas farmácias. "Eu acho que deveria existir um controle maior. Ela só deveria ser tomada com orientação médica", afirma o presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo, Francisco Eduardo Prota.
Mesmo com a grande carga de informações sobre a importância da camisinha que os jovens têm, muitos ainda insistem em transar sem preservativo.
"A camisinha nem sempre está disponível, e aí o sexo "rola" sem proteção", constata Jorge Andalaft Neto, presidente de comissão da Febrasgo (Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia), especializada em violência sexual e interrupção da gravidez. "Os adolescentes não costumam ter uma atividade sexual com hora marcada", explica.
Foi o caso da estudante de cursinho Marina*, 20, que já tomou a pílula do dia seguinte três vezes, depois de transar sem camisinha, apesar de a sua mãe trabalhar em um posto de saúde e distribuir preservativos para toda a turma dela. "Às vezes, na hora da empolgação, não dá tempo de usar", justifica.
Hoje é difícil encontrar uma adolescente que não tenha pelo menos uma amiga que já tomou o anticoncepcional de emergência. De acordo com os especialistas, um dos motivos para isso é que a pílula do dia seguinte vem bem ao encontro do que o jovem procura: uma solução aparentemente fácil para resolver uma "pisada na bola" num passe de mágica. Além de acharem "mais fácil", há quem escolha a pílula do dia seguinte porque esquece de tomar a pílula normal ou ainda por medo de que os pais encontrem a cartela. Mas quem decide conscientemente não usar camisinha está fazendo uma escolha errada.
"Minha amiga já tomou sete vezes. Ela me pede para comprar para ela, pois tem vergonha. Quando toma, vai dormir lá em casa e fica vomitando", conta Inácia*, 16. "Acho que as meninas precisam gostar mais delas mesmas. Se a amiga faz e dá certo, ela acha que vai dar certo para sempre. Não é por aí", diz ela. Não mesmo.


* Todos os nomes das entrevistadas nesta reportagem foram trocados por nomes fictícios

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