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SEXO
Depois do dia seguinte
Por parecer uma solução fácil, garotas adotam pílula do dia seguinte como anticoncepcional sem perceber os riscos que o método envolve
ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
Laura*, 18, já tomou a pílula do dia seguinte cinco vezes. O namorado dela
sempre "esquece" de colocar a camisinha. Na quinta vez, no entanto, a pílula
não funcionou. Quando foi ao médico, descobriu que estava grávida de gêmeos. "A
mãe dela vai matá-la se souber que ela engravidou", conta a amiga Cláudia*, 16.
A história de Laura é emblemática: representa bem a "roubada" em que as meninas
que abusam da pílula do dia seguinte podem se meter. E é cada vez maior o número
de adolescentes que tomam o anticoncepcional de emergência como rotina. Em dois
anos, aumentou 100% o número de garotas
de 12 a 19 anos que compraram o medicamento com receita (veja quadro).
Além de não ser 100% segura para evitar
gravidez, a contracepção de emergência
não previne contra Aids e outras DSTs
(doenças sexualmente transmissíveis). Os
especialistas ouvidos pela reportagem são
unânimes em afirmar que o ideal é usar camisinha sempre, combinada a outro método, como a pílula convencional.
"O adolescente que abusa da pílula do dia
seguinte é uma pessoa que tem alto risco de
engravidar e de pegar Aids e DSTs, já que
costuma ter relações desprotegidas. E isso
está acontecendo cada vez mais, há meninas que tomam duas, três vezes no mesmo
mês. É um absurdo. A gente não sabe que
efeitos isso pode ter mais pra frente", diz
Lélia de Souza Fernandes, ginecologista do
programa de saúde do adolescente do Estado de São Paulo, que faz um trabalho estimulando o uso da camisinha entre jovens.
A pílula do dia seguinte, ao contrário do
que muita gente pensa, não é mais um método anticoncepcional: é contracepção de
emergência. Como o nome diz, é para ser
usada em situações extremas: quando a camisinha se rompe ou em casos de estupro.
Não deve ser usada como rotina, pois as
duas pílulas aparentemente inofensivas da
cartelinha carregam uma dose cavalar de
hormônios -quase a mesma dosagem
distribuída nas 21 pílulas da cartela convencional. Ou seja, a pessoa toma em um dia o
que é para ser tomado em três semanas.
O corpo, é claro, sente o baque: a pílula do
dia seguinte costuma provocar dor de cabeça, náusea, vômitos e alterar o ciclo
menstrual. "Muitas meninas estão usando
a contracepção de emergência como um
método rotineiro, o que é grave por dois
motivos: de um lado, elas não se protegem;
de outro, essa pílula é para uso eventual",
diz Manoel Girão, chefe do departamento
de ginecologia da Unifesp. "Se a pessoa toma todo mês, já é muito."
A estudante de psicologia Joana*, 20, já
perdeu a conta de todas as ocasiões em que
tomou a pílula do dia seguinte. "Em algumas vezes, a camisinha estourou e, em outras, não usamos por
desleixo mesmo." Ela
chegou a tomar a pílula
em duas semanas seguidas. "Fiquei um mês
menstruada", lembra.
"Senti que isso mexeu
muito com o meu organismo. Agora estou
tentando usar mais camisinha." Mas o namorado dela "odeia" usar
preservativo. Normalmente, é ele quem compra a pílula do dia seguinte. "É o mínimo
que ele pode fazer",
acredita.
É muito comum os
meninos comprarem o
anticoncepcional de
emergência para as meninas. Segundo pesquisas em farmácias, a procura é maior na
segunda-feira. Nesse dia, também são mais
freqüentes as consultas sobre o assunto feitas ao Disk-Adolescente, um serviço da Secretaria Estadual da Saúde (0/xx/11/3819-2022, das 11h às 14h). "Essa é uma das questões da segunda-feira", diz a ginecologista
Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do
programa de saúde da adolescência do Estado de São Paulo.
Ela diz não ser contra o anticoncepcional
de emergência. "Quando usado como exceção, é um avanço. As mulheres têm mais
uma opção para evitar a gravidez indesejada. Mas estamos vendo que o perigo é incorporar esse consumo a uma rotina."
Apesar de a embalagem das pílulas vir
com a inscrição "Venda sob prescrição médica", na prática ninguém pede receita nas
farmácias. "Eu acho que deveria existir um
controle maior. Ela só deveria ser tomada
com orientação médica", afirma o presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo, Francisco
Eduardo Prota.
Mesmo com a grande carga de informações sobre a importância da camisinha que
os jovens têm, muitos ainda insistem em
transar sem preservativo.
"A camisinha nem sempre está disponível, e aí o sexo "rola" sem proteção", constata Jorge Andalaft Neto, presidente de comissão da Febrasgo (Federação Brasileira
das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia), especializada em violência sexual e interrupção da gravidez. "Os adolescentes
não costumam ter uma atividade sexual
com hora marcada", explica.
Foi o caso da estudante de cursinho Marina*, 20, que já tomou a pílula do dia seguinte três vezes, depois
de transar sem camisinha, apesar de a sua
mãe trabalhar em
um posto de saúde e
distribuir preservativos para toda a turma dela. "Às vezes,
na hora da empolgação, não dá tempo de
usar", justifica.
Hoje é difícil encontrar uma adolescente que não tenha
pelo menos uma
amiga que já tomou
o anticoncepcional
de emergência. De
acordo com os especialistas, um dos motivos para isso é que a
pílula do dia seguinte vem bem ao encontro do que o jovem procura: uma solução
aparentemente fácil para resolver uma "pisada na bola" num passe de mágica. Além
de acharem "mais fácil", há quem escolha a
pílula do dia seguinte porque esquece de
tomar a pílula normal ou ainda por medo
de que os pais encontrem a cartela. Mas
quem decide conscientemente não usar camisinha está fazendo uma escolha errada.
"Minha amiga já tomou sete vezes. Ela
me pede para comprar para ela, pois tem
vergonha. Quando toma, vai dormir lá em
casa e fica vomitando", conta Inácia*, 16.
"Acho que as meninas precisam gostar
mais delas mesmas. Se a amiga faz e dá certo, ela acha que vai dar certo para sempre.
Não é por aí", diz ela. Não mesmo.
* Todos os nomes das entrevistadas nesta reportagem foram trocados por nomes fictícios
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