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RESUMINDO
Obra afirma a vida presidida pela morte
IZETI FRAGATA TORRALVO
especial para a Folha
"Morte e Vida Severina", de
certo modo, retoma as denúncias
feitas pela literatura dos anos 30,
especialmente as apontadas por
Graciliano Ramos. A miséria do
sertão, a migração permanente, o
abandono e a brutalização a que
estão submetidos os nordestinos
já apareceram em "Vidas Secas",
por meio da saga de Fabiano, e
ganham eco no auto de João Cabral de Melo Neto, composto a
pedido da dramaturga Maria
Clara Machado, entre 54 e 55.
Mas não é somente no nível da
fabulação que se observa a ressonância de Graciliano no texto de
João Cabral, mas também no nível da linguagem que se revela seca, reduzida ao essencial.
O poema dramático de João
Cabral apóia-se em raízes populares -a tradição oral que se revela pelo tom discursivo, promovido pela adoção de versos redondilhos bem cadenciados, e na
tradição ibérica, composição de
um auto de natal, forma medieval consagrada para comemoração de festas natalinas.
O poema, composto de 18 cenas, inicia-se com a fala de apresentação de Severino, que, na ânsia de distinguir-se, revela-se
anônimo, reconhecendo-se como um ser coletivo: "Somos
muitos Severinos iguais em tudo
na vida". Nas cenas seguintes, relata-se a viagem desse nordestino que, como o rio Capibaribe,
segue a caminho de Recife.
Alternando monólogos e diálogos, expõe-se uma contradição:
Severino, em luta pela vida, só se
depara com a morte. Já nos primeiros passos encontra dois homens conduzindo um defunto,
que lhe dizem ser a morte mais
sedutora do que a vida.
O retirante pede emprego a
uma mulher que se encontrava
em uma janela. Mais uma vez,
reafirma-se a soberania da morte
em relação à vida: desejando cultivar a terra, é aconselhado pela
mulher a desistir, pois na região
somente o trabalho relacionado
à morte prospera.
O sertanejo segue viagem, obstinado pela idéia de escapar da
morte precoce. Chega a Recife e
escuta a conversa de dois coveiros que desejam ver os retirantes
se lançarem ao rio para reduzir
os enterros gratuitos. Severino,
dando-se conta da sua inútil busca, decide lançar-se de uma das
pontes do Capibaribe.
O discurso de fracasso do protagonista é contrariado por um
novo personagem, José, mestre
carpina, que tenta convencer Severino a desistir do suicídio. A
notícia do nascimento do filho
do mesmo interrompe a cena.
Segue a celebração pela vida da
criança, motivo de esperança e
crença na força vital que se renova. O clima contagia a todos, e
encerra-se o poema.
A história de Severino reafirma
a idéia de que a vida é presidida
pela morte. "Morte e vida", por
inverter a sequência prevista
-vida e morte-, destaca o domínio da morte, e "severina"
qualifica de severo, duro, rigoroso, o destino dos sertanejos. A inversão "morte e vida" representa
também o percurso de Severino
-o contato constante com a
morte e o encontro com a vida
débil, frágil e teimosa, severina.
Izeti Fragata Torralvo é coordenadora de
português do Colégio Bandeirantes
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