São Paulo, quinta, 3 de dezembro de 1998
 
 


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RESUMINDO

Obra afirma a vida presidida pela morte

IZETI FRAGATA TORRALVO
especial para a Folha

"Morte e Vida Severina", de certo modo, retoma as denúncias feitas pela literatura dos anos 30, especialmente as apontadas por Graciliano Ramos. A miséria do sertão, a migração permanente, o abandono e a brutalização a que estão submetidos os nordestinos já apareceram em "Vidas Secas", por meio da saga de Fabiano, e ganham eco no auto de João Cabral de Melo Neto, composto a pedido da dramaturga Maria Clara Machado, entre 54 e 55.
Mas não é somente no nível da fabulação que se observa a ressonância de Graciliano no texto de João Cabral, mas também no nível da linguagem que se revela seca, reduzida ao essencial.
O poema dramático de João Cabral apóia-se em raízes populares -a tradição oral que se revela pelo tom discursivo, promovido pela adoção de versos redondilhos bem cadenciados, e na tradição ibérica, composição de um auto de natal, forma medieval consagrada para comemoração de festas natalinas.
O poema, composto de 18 cenas, inicia-se com a fala de apresentação de Severino, que, na ânsia de distinguir-se, revela-se anônimo, reconhecendo-se como um ser coletivo: "Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida". Nas cenas seguintes, relata-se a viagem desse nordestino que, como o rio Capibaribe, segue a caminho de Recife.
Alternando monólogos e diálogos, expõe-se uma contradição: Severino, em luta pela vida, só se depara com a morte. Já nos primeiros passos encontra dois homens conduzindo um defunto, que lhe dizem ser a morte mais sedutora do que a vida.
O retirante pede emprego a uma mulher que se encontrava em uma janela. Mais uma vez, reafirma-se a soberania da morte em relação à vida: desejando cultivar a terra, é aconselhado pela mulher a desistir, pois na região somente o trabalho relacionado à morte prospera.
O sertanejo segue viagem, obstinado pela idéia de escapar da morte precoce. Chega a Recife e escuta a conversa de dois coveiros que desejam ver os retirantes se lançarem ao rio para reduzir os enterros gratuitos. Severino, dando-se conta da sua inútil busca, decide lançar-se de uma das pontes do Capibaribe.
O discurso de fracasso do protagonista é contrariado por um novo personagem, José, mestre carpina, que tenta convencer Severino a desistir do suicídio. A notícia do nascimento do filho do mesmo interrompe a cena. Segue a celebração pela vida da criança, motivo de esperança e crença na força vital que se renova. O clima contagia a todos, e encerra-se o poema.
A história de Severino reafirma a idéia de que a vida é presidida pela morte. "Morte e vida", por inverter a sequência prevista -vida e morte-, destaca o domínio da morte, e "severina" qualifica de severo, duro, rigoroso, o destino dos sertanejos. A inversão "morte e vida" representa também o percurso de Severino -o contato constante com a morte e o encontro com a vida débil, frágil e teimosa, severina.


Izeti Fragata Torralvo é coordenadora de português do Colégio Bandeirantes



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