São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004
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MATEMÁTICA

Paranormalidade na mira da probabilidade

JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Imaginemos a seguinte situação: o leitor está tranqüilamente deitado na cama quando se lembra de um primo distante que não vê há muito tempo. Vinte minutos depois, toca o telefone e você recebe a triste notícia do falecimento desse primo. Numa situação dessas, qualquer pessoa relacionaria os dois fatos e -como todos nós provavelmente já ouvimos alguma história desse tipo- concluiria que a paranormalidade existe, correto? Examinando o problema com olhar matemático, pode-se mostrar que as coisas não são bem assim.
O problema em questão pode ser investigado por meio do cálculo da probabilidade de que, tendo pensado numa pessoa, venhamos a saber nos 20 minutos seguintes, por puro acaso, sem que nisso haja qualquer influência paranormal, que essa pessoa tenha morrido. Para tanto, necessitamos, para começar, dos seguintes dados: 1) o número de pessoas de cuja morte somos informados, por exemplo, em um ano; 2) o número de vezes que pensamos nessas pessoas durante o período convencionado. Adotaremos estimativas baixas para 1 e 2, com o intuito de dar ainda mais credibilidade ao nosso cálculo. Para 1 estimaremos dez pessoas, lembrando que, mesmo não tendo conhecido pessoalmente algumas personalidades importantes, sua morte também seria computada, já que uma personalidade pode ocupar nossos pensamentos em alguns momentos. Para 2, estimaremos que pensamos apenas uma vez em cada uma das dez pessoas ao longo de um ano.
Como um ano tem 26.280 intervalos de 20 minutos, a chance de pensarmos em alguma das dez pessoas, 20 minutos antes de termos recebido o comunicado da sua morte, é 1/2.628.
Como no Estado de São Paulo nós temos cerca de 30 milhões de pessoas -já descontadas as crianças muito pequenas-, e cada uma delas também está sujeita à probabilidade que acabamos de calcular, multiplicando 1/2.628 por 30 milhões concluiremos que o puro acaso é responsável por mais de 11 mil casos de pessoas por ano que recebem a notícia da morte de um conhecido poucos minutos após terem pensado nele.
Uma vez que essas pessoas certamente formarão uma rede de divulgação de uma suposta paranormalidade, é quase impossível que -entre as pessoas que conhecemos- nenhuma tenha ouvido falar de alguma ocorrência como a apresentada.
Conclui-se daí que o tipo de acontecimento supostamente premonitório que acabamos de analisar é estatisticamente bastante freqüente, nada tendo a ver com a paranormalidade.


José Luiz Pastore Mello é mestre em ensino de matemática pela USP e professor do Colégio Santa Cruz. E-mail: jlpmello@uol.com.br


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