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      São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2003
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PROPOSTAS DO GOVERNO E O QUE PENSAM OS ESPECIALISTAS

André Sarmento/Folha Imagem
Candidatos fazem a prova do vestibular de meio de ano da Unesp em São Paulo


ESPECIALISTAS CONSULTADOS

Dulce Andreatta Whitaker, 68, especializada em sociologia da educação, pesquisadora do CNPq e professora aposentada da pós-graduação da Unesp

Eunice Ribeiro Durham, ex-secretária de Educação Superior do MEC e pesquisadora do Nupes (Núcleo de Estudos sobre Ensino Superior) da USP

Fernando José de Almeida, 59, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo e professor da pós-graduação em educação da PUC-SP

Mario Sergio Cortella, 49, colunista a Folha, doutor em educação e professor da pós-graduação em educação (currículo) da PUC-SP

PROPOSTAS E RESPOSTAS

1. PAS (Programa de Avaliação Continuada) - O ministro pode estender para todo o país o PAS, sistema que já é usado na UnB desde 96 em substituição ao vestibular. Ele é diferente do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que realiza uma única prova no final do ensino médio. Na avaliação seriada, os estudantes fazem uma prova no fim de cada ano do ensino médio, somando o resultado das três quando concluem o curso.

Folha - Há benefício na mudança desse modelo de avaliação?

Cortella - Afirma que o processo seletivo -o vestibular- e o sistema de avaliação do ensino médio - o Enem ou o PAS- devem ter uma clara distinção entre eles, pois os objetivos são diferentes. Para ele, o sistema de avaliação continuada é uma proposta mais adequada, pois oferece uma visão mais completa sobre o desenvolvimento estudantil no ensino médio. O sistema pode ser usado como parte do vestibular.

Whitaker - Afirma que o projeto é interessante desde que se abolisse o vestibular. Segundo ela, as provas do PAS somente associariam períodos estresse aos alunos. Atualmente, existem dois períodos agressivos para eles: o Enem e o vestibular. Ela diz que, para esse período de vida do jovem, os exames deveriam ser substituídos por mecanismos de avaliação do desenvolvimento de capacidade e de habilidades deles.

2. COTAS - Cristovam afirmou que as cotas para negros nas universidades não resolvem a desigualdade social no país. Pessoalmente se diz favorável à implementação do sistema. Mas, como ministro, quer esperar os resultados das experiências atuais e as conseqüências perante a opinião pública.

Folha - Qual a sua opinião sobre o sistema de cotas?

Durham - Diz que o sistema de cotas é errado. As ações, segundo ela, devem começar antes do ingresso nas universidades, como a criação de cursos pré-vestibulares gratuitos. O atual sistema permite a entrada de pessoas com deficiências de formação, o que pode acarretar na reprovação em massa desses estudantes, na perda de qualidade dos cursos e, até mesmo, o mercado considerar que o aluno é menos capaz.

Cortella - "As cotas são um primeiro passo significativo para tronar visível o tema da discriminação social. Elas criam também a possibilidade de os afrodescendentes assumirem uma representatividade maior nas camadas gestoras da sociedade. (...) Quando se usa o argumento de que o negros devem enfrentar o vestibular e ingressar na universidade por uma questão de mérito, é desconhecer as condições anteriores a essa entrada no ensino superior."

3. PAE (Programa de Assistência Estudantil) - O governo federal quer conceder 30 mil bolsas integrais para estudantes de nível superior que estejam envolvidos em programas sociais de alfabetização de jovens e de adultos.

Folha - Esse contrato social é uma solução adequada para o financiamento estudantil?

Almeida - "É uma das soluções para o financiamento estudantil e, uma das soluções para o enfrentamento do analfabetismo. Mas não resolve nenhum dos dois." Segundo ele, devem ser feitas essas experiências para serem encontras as respostas adequadas para os problemas. E adverte: "Se for concedida uma bolsa e os estudantes não tiverem uma boa educação, eles também serão mal alfabetizadores. É um problema atrás do outro."

Cortella - "O projeto é essencial para um país como o nosso, onde é preciso ter um retorno para o conjunto da sociedade do que é apropriado particularmente. Ou seja, todo o cidadão que se beneficia de recurso público deve devolvê-lo para a sociedade de algum modo", afirma Cortella. Assim, o estudante que recebe financiamento público pode retornar esse benefício envolvendo-se em programas de alfabetização.

4. Fies (Financiamento Estudantil) - O concurso para as bolsas do Fies possui novas regras. Tem pontos a mais na seleção os alunos matriculados em cursos de licenciatura em matemática, física, química, biologia, ciências, história, letras e educação física. Também são valorizados os estudantes vindos de escolas públicas e outros que já trabalham como professores de escolas de educação infantil, ensino fundamental ou ensino médio - esses critérios são para desempate.

Folha - Qual deve ser a função do financiamento estudantil?

Bizzo - "Essa inovação é importante, como parte de uma política educacional mais abrangente, que possa integrar a educação básica à superior. Como instrumento de política, o FIES pode incentivar certas carreiras e garantir a formação de profissionais considerados de importância estratégica para o país, como os professores dos quais a educação básica hoje carece", afirma Bizzo.

Whitaker - Segundo ela, suas pesquisas apontam que as áreas priorizadas pelo ministério também são os campos que têm maior procura de estudantes de baixa renda. Assim, afirma Whitaker, a proposta tem coerência por beneficiar essa população. Mas, a pesquisadora sustenta que, em vez desse processo, deveriam ser criadas mais vagas na rede pública de ensino e compor uma forma alternativa de ingresso na universidade.

5. Diplomas - O MEC suspendeu a portaria que autorizava a emissão de diplomas de cursos que não estivessem em dia com o processo de reconhecimento do curso. Pelo menos 600 cursos superiores terão de passar pela ACE (Avaliação das Condições de Ensino) para que os formados possam receberem os seus diplomas no fim deste ano.

Folha - Essa medida está correta? Por quê?

Durham - "Os cursos têm que ser reconhecidos, mas é uma situação complicada negar o diploma ao aluno. O que tem que ser feito é o seguinte: dar o certificado aos estudantes que estão se formando e suspender o vestibular enquanto o curso não for reconhecido. Penaliza a instituição e não o aluno. De fato, a sociedade estará dando um diploma à jovens mal formados, porém, nesse caso, isso é um prejuízo social menor."

Bizzo - "As precariedades na tramitação das questões das instituições privadas no MEC sempre foi alvo de muitas críticas. Mas as falhas eventualmente cometidas pelo MEC não podem ter como solução a simples emissão de diplomas que coloquem médicos, professores, engenheiros, químicos etc. sem formação adequada trabalhando normalmente no mercado." Para ele, é um risco social diplomar profissionais ruins.

6. Provão - O ministro defende mudanças para o provão. Para isso, foi montada uma comissão que deve compor até agosto uma proposta de alterações no sistema de avaliação do ensino superior.

Folha - O que pode ser mudado no atual sistema de avaliação do ensino superior?

Cortella - "O sistema vem se constituindo em algo que avalia apenas o estudante que está saindo da universidade, o que não altera formação dele. Eu costumo usar o exemplo: a avaliação deve ser diferente de uma necropsia, que estuda a causa de morte, e similar a uma biópsia, que analisa o organismo ainda vivo." Assim, afirma, para beneficiar quem está entrando e quem já está na universidade, é necessário criar um sistema de avaliação processual.

Durham - "A melhor forma para dizer que um processo não está bom é mostrar que ele não está dando resultado", afirma Durham. Segundo ela, o provão é o único instrumento homogêneo para a avaliação dos cursos superiores. "A análise da ACE [Avaliação das Condições de Ensino], por exemplo, varia conforme a comissão que visita a instituição de ensino. Ela é uma complementação ao provão, mas não o substitui."

7. Universidade alternativa - Cristovam disse que a universidade deve ter uma proposta alternativa, ligada por exemplo às necessidades sociais do país. No mês de junho, ele afirmou que será criada um curso de medicina na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), que terá ênfase em saúde pública.

Folha - Qual a função social da universidade? Deve haver políticas para a criação de cursos?

Almeida - O ex-secretário diz que a falta de planejamento da educação gera dois tipos de problemas. O primeiro está relacionado à proliferação de cursos voltados para seguimentos de mercado atraentes, o que pode gerar o desemprego de centenas de estudantes formados nesses cursos, pois as vagas esgotam-se. Em seguida, a falta de planejamento estatal não capacita pessoas habilitadas a resolver problemas nacionais, como as questões de saúde pública.

Bizzo - "A oferta de vagas no ensino superior está concentrada e desordenada, sem sintonia obrigatória com as necessidades sociais, apenas acompanha o chamado "mercado"." As mudanças, afirma, poderiam traçar diretrizes para contribuir nos desenvolvimentos regionais. Para isso, seria necessário criar, por exemplo, um percentual de autorizações de novos cursos reservadas as essas demandas.

8. Ensino Médio - Foi apresentada uma proposta de ampliação do ensino médio para quatro anos. O quarto ano seria opcional, e os estudantes poderiam prestar vestibular após concluírem o terceiro.

Folha - O sr. concorda com essa proposta?

Whitaker - A pesquisadora afirma que uma grande parcela dos jovens formados no ensino médio atual nem passam no vestibular, nem conseguem entrar no mercado de trabalho. "Eles ficam perdidos em uma espécie de limbo social. Assim, acrescentar o quarto ano, desde que não seja obrigatório, pode contribuir reparar essa situação, pois não há vagas na universidade para todos e não há vagas no mercado de trabalho também."

Durham - Atualmente, diz ela, não existe uma estrutura e um pessoal adequado para atender a demanda que seria criada por essa alteração no sistema de ensino. Segundo ela, o ministério deveria preocupar-se com a qualificação professores e melhorar o sistema que existe hoje. Como políticas alternativas, poderiam ser criados cursos pré-vestibulares gratuitos para negros ou criar cursos de profissionalização.

9. Vestibular - Cristovam disse que irá sugerir aos reitores que as instituições de ensino superior realizem os vestibulares com apenas duas provas: uma de português e uma de matemática.

Folha - Essas duas provas seriam suficientes para medir a capacidade de um aluno cursar o ensino superior? E os processos seletivos atuais são eficientes?

Bizzo - "O vestibular trouxe especialização em diversas instituições, que sabem hoje dizer quais candidatos têm condição de acompanhar os cursos superiores. As duas provas (português e matemática) podem ser indicadores para definir se um grupo de estudantes tem formação média adequada, mas não pode dizer se José está apto para o curso de Filosofia e Maria está apta para o curso de Medicina."

Almeida - "O ensino médio tem hoje um caráter fortemente ligado à entrada na universidade e à formação geral do jovem. Será onde os estudantes começarão a pensar em suas profissões, e se elas estarão ligados à história, à biologia e à arte, entre outra áreas. Eles terão a chance de pensar quimicamente e de aprender a olhar pelo ponto de vista da física. Portanto, é um momento de abrir perspectivas e de não fechar."


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