UOL

      São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003
  Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HISTÓRIA

Lei Áurea, a polêmica e os limites

ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A aprovação da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, foi muito comemorada. Nas décadas seguintes, a princesa Isabel foi cultuada nos manuais escolares como a redentora dos escravos e bem-feitora dos negros brasileiros.
Nos últimos 30 anos, o mito tem sido desconstruído, a tal ponto de, entre os críticos mais ácidos, pairar um certo desprezo pela lei, quando se consideram os principais marcos na luta pela superação dos males provocados pela escravidão no Brasil. Entretanto não há como desprezar a Lei Áurea como marco significativo nesse processo. Até a sua aprovação, qualquer negro em trajes humildes que caminhasse pela rua sozinho corria o risco de ser parado pela polícia e submetido à humilhante verificação da sua condição de homem livre ou fugitivo.
Por outro lado, não há como negar a limitação dos seus efeitos. Isso era evidente para as mentes mais lúcidas daquela época, como Joaquim Nabuco, que, no clássico "O Abolicionismo", de 1883, argumentava: "...Mesmo (que) a emancipação total fosse decretada amanhã, a liquidação desse regime daria lugar a uma série infinita de questões... Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de 300 anos de cativeiro, isto é, de despotismo, de superstição e de ignorância".
Além disso, era cristalino para ele e para outros líderes abolicionistas, como André Rebouças, que a abolição sem uma reforma agrária era uma medida infame. Sem a oportunidade de ter acesso a um pedaço de terra do qual pudesse extrair o seu sustento, os negros dificilmente encontrariam condições de construir uma nova vida. A inserção dos ex-escravos nas atividades do comércio e da indústria e nas profissões com melhor remuneração teria de passar pelo crivo de séculos de discriminação. Desse ângulo, a abolição lançou os negros a sua própria sorte e libertou os brancos da culpa da escravidão.
Na verdade, o raio de ação da princesa Isabel era muito restrito. Encontrava-se, de um lado, à frente de um império dominado por latifundiários e, de outro, pressionada por amplo movimento social contra a escravidão, que corria o risco de voltar-se contra o império. Cedeu os anéis para não perder os dedos... mas já era tarde demais.


Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na Universidade Grande ABC. Email: roberson.co@uol.com.br


Texto Anterior: Química: A prata escureceu? Chame o alumínio
Próximo Texto: Biologia: Os 50 anos de história do DNA e o genoma humano
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.