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HISTÓRIA
Lei Áurea, a polêmica e os limites
ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A aprovação da Lei Áurea, em 13
de maio de 1888, foi muito comemorada. Nas décadas seguintes, a princesa Isabel foi cultuada
nos manuais escolares como a redentora dos escravos e bem-feitora dos negros brasileiros.
Nos últimos 30 anos, o mito tem
sido desconstruído, a tal ponto de,
entre os críticos mais ácidos, pairar um certo desprezo pela lei,
quando se consideram os principais marcos na luta pela superação dos males provocados pela escravidão no Brasil. Entretanto
não há como desprezar a Lei Áurea como marco significativo nesse processo. Até a sua aprovação,
qualquer negro em trajes humildes que caminhasse pela rua sozinho corria o risco de ser parado
pela polícia e submetido à humilhante verificação da sua condição de homem livre ou fugitivo.
Por outro lado, não há como negar a limitação dos seus efeitos. Isso era evidente para as mentes
mais lúcidas daquela época, como
Joaquim Nabuco, que, no clássico
"O Abolicionismo", de 1883, argumentava: "...Mesmo (que) a
emancipação total fosse decretada amanhã, a liquidação desse regime daria lugar a uma série infinita de questões... Depois que os
últimos escravos houverem sido
arrancados ao poder sinistro que
representa para a raça negra a
maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma
educação viril e séria, a lenta estratificação de 300 anos de cativeiro, isto é, de despotismo, de superstição e de ignorância".
Além disso, era cristalino para
ele e para outros líderes abolicionistas, como André Rebouças,
que a abolição sem uma reforma
agrária era uma medida infame.
Sem a oportunidade de ter acesso
a um pedaço de terra do qual pudesse extrair o seu sustento, os negros dificilmente encontrariam
condições de construir uma nova
vida. A inserção dos ex-escravos
nas atividades do comércio e da
indústria e nas profissões com
melhor remuneração teria de passar pelo crivo de séculos de discriminação. Desse ângulo, a abolição lançou os negros a sua própria sorte e libertou os brancos da
culpa da escravidão.
Na verdade, o raio de ação da
princesa Isabel era muito restrito.
Encontrava-se, de um lado, à
frente de um império dominado
por latifundiários e, de outro,
pressionada por amplo movimento social contra a escravidão,
que corria o risco de voltar-se
contra o império. Cedeu os anéis
para não perder os dedos... mas já
era tarde demais.
Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na
Universidade Grande ABC. Email:
roberson.co@uol.com.br
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