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LITERATURA
Livro de Bandeira assinala ruptura
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O livro "Libertinagem" (1930),
de Manuel Bandeira, é uma das
obras selecionadas pelo exame da
Fuvest. A leitura de um livro de
poemas pode parecer, à primeira
vista, mais difícil que a de romances ou contos. Afinal, na maior
parte das vezes, os poemas não
são narrativas lineares -em geral, condensam grande quantidade de conteúdo simbólico e desafiam o leitor a fazer associações e a
ler num plano metafórico.
A apreensão dos múltiplos significados de um poema dá-se não
só pelo caminho da intelecção como também pelo do aprimoramento da sensibilidade. Por isso é
importante tanto conhecer o período histórico e os pressupostos
teóricos da obra como tentar desenvolver com ela o sentimento
de empatia, que é a faculdade de
compreender emocionalmente o
objeto artístico.
Vários dos poemas de "Libertinagem", livro escrito no auge do
modernismo brasileiro, tornaram-se muito conhecidos. É o caso de "Vou-me embora pra Pasárgada", em que o eu lírico se projeta -em ânsia escapista- em um
universo imaginário e edênico,
lugar de encontro com a felicidade perdida e/ou jamais alcançada,
ou mesmo de "Pneumotórax",
texto que, em tom de prosa, reproduz o desesperançado diagnóstico médico que condenaria o
tuberculoso a conviver com a presença da morte por toda a vida: "A
única coisa a fazer é tocar um tango argentino".
É ainda desse livro o poema
"Poética", em que Bandeira sintetiza os ideais modernistas de ruptura com os cânones do passado
(convertidos em fórmulas) e de
busca de um lirismo próprio, "o
lirismo dos loucos/ O lirismo dos
bêbedos/ O lirismo difícil e pungente dos bêbedos". Nesse poema, critica o ideário parnasiano e
seu artificialismo, que aparta a
poesia da experiência, esta, afinal,
a matéria-prima daquela.
A aproximação entre a linguagem cotidiana e a linguagem poética, outra bandeira dos modernistas, é explicitada não só em
"Poética" ("Estou farto do lirismo
que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um
vocábulo// Abaixo os puristas//
Todas as palavras sobretudo os
barbarismos universais/ Todas as
construções sobretudo as sintaxes
de exceção/ Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis") mas
também em "Evocação do Recife"
("A vida não me chegava pelos
jornais nem pelos livros/ Vinha
da boca do povo na língua errada
do povo/ Língua certa do povo/
Porque ele é que fala gostoso o
português do Brasil").
A leitura de Bandeira, para além
do vestibular, é um prazer.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e autora dos livros "Redação Linha a Linha"
(Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole).
E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br
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