São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2004
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HISTÓRIA

A democracia no Brasil e os seus inimigos

ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao completar 40 anos, a polêmica sobre o golpe militar de 1964 acabou sendo reativada. Uma linha de interpretação que ganhou força recentemente afirma que, em 1964, tanto as forças políticas de esquerda quanto as de direita eram hostis à democracia e que, se os militares não violassem a Constituição e se impusessem pela força das armas, a esquerda o faria. Portanto o golpe era inevitável, e os militares, a UDN, os grupos empresariais, a imprensa, as classes médias e os latifundiários praticaram quase uma ação de defesa diante de um golpe iminente da esquerda.
Seria interessante analisar essa interpretação à luz de alguns fatos políticos importantes do pós-guerra. Em 1950, vários líderes da UDN, com destaque para Carlos Lacerda, colocaram-se publicamente contra a posse do candidato eleito, Getúlio Vargas, com argumentos sem a menor sustentação constitucional. Em fevereiro de 1954, 39 tenentes-coronéis do Exército, muitos dos quais com papel decisivo no golpe de 1964, assinaram o Manifesto dos Coronéis, uma ameaça explícita ao governo pela receptividade às reivindicações sindicais.
No mesmo ano, em agosto, os liberais da UDN e setores das Forças Armadas pressionaram Vargas abertamente para que ele renunciasse por causa do atentado no qual Carlos Lacerda foi ferido, sem que existisse uma só prova contra o presidente. Após o suicídio de Vargas, manobras da UDN e de setores do Exército fizeram de tudo para adiar as eleições presidenciais. A vitória de Juscelino Kubitschek pela coligação PSD-PTB enfureceu a UDN, colocando novamente em andamento a sua "índole golpista".
Aliada a grupos militares, a UDN tramou para impedir a posse do presidente legitimamente eleito, mas a atuação de uma ala legalista do Exército garantiu o cumprimento da Constituição.
Em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, os mesmos grupos se negaram a dar posse ao vice-presidente eleito, como previa a Constituição. Ela precisou ser alterada para que João Goulart assumisse. Analisando de uma perspectiva histórica, a solução que os liberais, as frações das Forças Armadas e as classes proprietárias impuseram ao país em 1964 foi apenas mais uma demonstração da sua tradicional vocação de violar as regras que contrariavam suas expectativas e interesses.


Roberson de Oliveira é professor e autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD). E-mail: roberson.co@uol.com.br


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