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HISTÓRIA
A democracia no Brasil e os seus inimigos
ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao completar 40 anos, a polêmica sobre o golpe militar de 1964
acabou sendo reativada. Uma linha de interpretação que ganhou
força recentemente afirma que,
em 1964, tanto as forças políticas
de esquerda quanto as de direita
eram hostis à democracia e que,
se os militares não violassem a
Constituição e se impusessem pela força das armas, a esquerda o
faria. Portanto o golpe era inevitável, e os militares, a UDN, os grupos empresariais, a imprensa, as
classes médias e os latifundiários
praticaram quase uma ação de
defesa diante de um golpe iminente da esquerda.
Seria interessante analisar essa
interpretação à luz de alguns fatos
políticos importantes do pós-guerra. Em 1950, vários líderes da
UDN, com destaque para Carlos
Lacerda, colocaram-se publicamente contra a posse do candidato eleito, Getúlio Vargas, com argumentos sem a menor sustentação constitucional. Em fevereiro
de 1954, 39 tenentes-coronéis do
Exército, muitos dos quais com
papel decisivo no golpe de 1964,
assinaram o Manifesto dos Coronéis, uma ameaça explícita ao governo pela receptividade às reivindicações sindicais.
No mesmo ano, em agosto, os
liberais da UDN e setores das Forças Armadas pressionaram Vargas abertamente para que ele renunciasse por causa do atentado
no qual Carlos Lacerda foi ferido,
sem que existisse uma só prova
contra o presidente. Após o suicídio de Vargas, manobras da UDN
e de setores do Exército fizeram
de tudo para adiar as eleições presidenciais. A vitória de Juscelino
Kubitschek pela coligação PSD-PTB enfureceu a UDN, colocando
novamente em andamento a sua
"índole golpista".
Aliada a grupos militares, a
UDN tramou para impedir a posse do presidente legitimamente
eleito, mas a atuação de uma ala
legalista do Exército garantiu o
cumprimento da Constituição.
Em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, os mesmos grupos
se negaram a dar posse ao vice-presidente eleito, como previa a
Constituição. Ela precisou ser alterada para que João Goulart assumisse. Analisando de uma
perspectiva histórica, a solução
que os liberais, as frações das Forças Armadas e as classes proprietárias impuseram ao país em 1964
foi apenas mais uma demonstração da sua tradicional vocação de
violar as regras que contrariavam
suas expectativas e interesses.
Roberson de Oliveira é professor e autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora
FTD). E-mail: roberson.co@uol.com.br
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