São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 2006
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Vale a pena saber

LITERATURA

Poesia reflete repertório de emoções

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O estudo das escolas literárias leva-nos à percepção não só de diferentes atitudes diante da poesia como de diferentes modelos de beleza estética. O modernismo, em sua fase inicial, insurgiu-se contra os cânones parnasianos, mas, posteriormente, já incorporada a mudança de padrão estético, deixou de se opor de maneira tão contumaz ao movimento poético anterior e chegou a revalorizar formas clássicas. O soneto, banido no primeiro tempo modernista, foi uma das formas adotadas por Drummond e por Vinicius de Moraes, por exemplo.
É preciso evitar a atitude de considerar um estilo melhor do que outro. As mudanças ocorrem não pelo que apressadamente se consideraria uma "evolução" da poesia, mas segundo o momento e o lugar de sua produção.
Se o parnasianismo, em seus últimos tempos, sofreu um desgaste, isso é sinal de que essa estética já não representava o padrão de beleza e as necessidades de expressão de um mundo que havia passado por grandes transformações.
A nossa percepção poética de hoje não se identifica com as minuciosas descrições parnasianas, com a estaticidade do vaso grego de Alberto de Oliveira. É difícil que hoje as pessoas em geral se emocionem, pelo menos à primeira vista, com a descrição de um vaso, mesmo sendo ele belo em sua plasticidade. Isso, no entanto, não significa que esse poema ("Vaso Grego") ou outros do gênero não expressem emoções. O nosso repertório de emoções é que mudou. O que, para nós, hoje, pode soar como frieza ou falta de emoção, tem outro significado para um poeta clássico ou parnasiano.
Um poeta clássico expressa-se de maneira comedida. Diferentemente do romântico, não lhe passa pela cabeça a idéia de morrer por amor. A mudança do padrão clássico (ou neoclássico) para o romântico ocorre quando a burguesia ascende ao poder. O comedimento, característica aristocrática, perde a importância na época romântica, quando passam a predominar os valores próprios das camadas populares, como a simplicidade. Isso é reflexo da revolução social. O desafio de ler textos de várias épocas, portanto, está em inseri-los no momento de sua produção.
Sabemos que há grandes poetas em todos os momentos da história literária e é preciso lê-los em consonância com o momento histórico em que produziram sua obra. Os melhores representantes de cada época são aqueles que melhor expressaram o sentimento coletivo. A boa poesia pressupõe essa capacidade, muitas vezes intuitiva, de expressar o universal no particular e isso vale para qualquer tempo.


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO, autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole), é colunista da Folha Online e do site gazetaweb.globo.com/
@ - thaisncamargo@uol.com.br


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