|
Texto Anterior | Índice
QUÍMICA
Licor caseiro mata na Nicarágua
LUIS FERNANDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quase 50 mortos entre
700 intoxicados; alguns perderam a visão. Aconteceu no
início deste mês, na Nicarágua, conseqüência da ingestão de um licor caseiro. Como assim... licor mata? Esse
sim. Isso porque, no lugar do
etanol -o álcool comum nas
bebidas alcoólicas-, havia
metanol, um outro álcool.
Mas os alcoóis não são todos
iguais?
É verdade que ambos
apresentam grupo OH ligado
a carbono saturado (que só
faz ligações covalentes simples), por isso são alcoóis.
Mas suas moléculas são diferentes, e os efeitos no organismo, então... Uma vez que
um deles invade nosso corpo,
imediatamente começa a ser
transformado (oxidado) em
aldeído e, em seguida, em
ácido carboxílico. No caso do
etanol (H3C-CH2OH), forma-se acetaldeído (H3C-CHO), que, enquanto estiver
na corrente sangüínea, causa
dilatação dos vasos ao redor
do cérebro -a dor de cabeça
da ressaca! Mas logo enzimas dão conta de oxidá-lo a
ácido acético, e a ressaca
termina.
Com o metanol (CH3OH) a
coisa é mais grave -30 ml
são fatais! Isso porque as enzimas responsáveis por essas
oxidações são encontradas
no fígado e nos olhos. Forma-se, então, formaldeído
(HCHO) na região da retina.
Esse aldeído, que não deveria estar ali, reage com proteínas que deveriam estar
participando da "química da
visão". Sem a ação dessas
proteínas, a oxigenação da
retina é inibida, e o resultado
é a cegueira. Pior, o ácido
metanóico (HCOOH) formado em seguida pode elevar a acidez do sangue a níveis alarmantes. Resultado:
morte.
Mas há tratamento: ingestão de etanol, isto é, tomar
mais licor (!), só que de boa
qualidade. Isso porque o etanol é oxidado pela mesma
enzima que o metanol. A
competição entre os dois faz
com que menos metanol seja
transformado no perigoso
formaldeído e acabe sendo
eliminado na urina. Muitos
dos nicaragüenses intoxicados apresentaram sintomas
típicos da ingestão desse veneno: vômitos, dor de cabeça
e visão borrada. Só que alguns pensaram que fosse
apenas uma ressaca um pouco mais forte e demoraram a
ir a um hospital. Infelizmente, morreram.
LUÍS FERNANDO PEREIRA é químico formado pela USP. Leciona nos cursos Intergraus e Uno-sat/Ed.Moderna.
lula7@terra.com.br
Texto Anterior: Geografia: A busca por fontes de energia Índice
|