São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 2006
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QUÍMICA

Licor caseiro mata na Nicarágua

LUIS FERNANDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quase 50 mortos entre 700 intoxicados; alguns perderam a visão. Aconteceu no início deste mês, na Nicarágua, conseqüência da ingestão de um licor caseiro. Como assim... licor mata? Esse sim. Isso porque, no lugar do etanol -o álcool comum nas bebidas alcoólicas-, havia metanol, um outro álcool. Mas os alcoóis não são todos iguais?
É verdade que ambos apresentam grupo OH ligado a carbono saturado (que só faz ligações covalentes simples), por isso são alcoóis.
Mas suas moléculas são diferentes, e os efeitos no organismo, então... Uma vez que um deles invade nosso corpo, imediatamente começa a ser transformado (oxidado) em aldeído e, em seguida, em ácido carboxílico. No caso do etanol (H3C-CH2OH), forma-se acetaldeído (H3C-CHO), que, enquanto estiver na corrente sangüínea, causa dilatação dos vasos ao redor do cérebro -a dor de cabeça da ressaca! Mas logo enzimas dão conta de oxidá-lo a ácido acético, e a ressaca termina.
Com o metanol (CH3OH) a coisa é mais grave -30 ml são fatais! Isso porque as enzimas responsáveis por essas oxidações são encontradas no fígado e nos olhos. Forma-se, então, formaldeído (HCHO) na região da retina.
Esse aldeído, que não deveria estar ali, reage com proteínas que deveriam estar participando da "química da visão". Sem a ação dessas proteínas, a oxigenação da retina é inibida, e o resultado é a cegueira. Pior, o ácido metanóico (HCOOH) formado em seguida pode elevar a acidez do sangue a níveis alarmantes. Resultado: morte.
Mas há tratamento: ingestão de etanol, isto é, tomar mais licor (!), só que de boa qualidade. Isso porque o etanol é oxidado pela mesma enzima que o metanol. A competição entre os dois faz com que menos metanol seja transformado no perigoso formaldeído e acabe sendo eliminado na urina. Muitos dos nicaragüenses intoxicados apresentaram sintomas típicos da ingestão desse veneno: vômitos, dor de cabeça e visão borrada. Só que alguns pensaram que fosse apenas uma ressaca um pouco mais forte e demoraram a ir a um hospital. Infelizmente, morreram.


LUÍS FERNANDO PEREIRA é químico formado pela USP. Leciona nos cursos Intergraus e Uno-sat/Ed.Moderna.
lula7@terra.com.br


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