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RESUMINDO
"Basílio" retrata burguesia lisboeta
FRANCISCO ACHCAR
especial para a Folha
Eça de Queirós (1845-1900) foi
dos principais responsáveis pela
introdução do Realismo na literatura portuguesa: "O Primo Basílio" (1878) foi um dos dois livros (sendo o outro "O Crime do
Padre Amaro", 1876, também dele) que mais colaboraram para
desbancar o Romantismo de Camilo Castelo Branco ou Júlio Dinis. Com esses livros, instalam-se
em Portugal novos padrões de
arte e de visão da sociedade e da
vida, padrões correspondentes à
"Idéia Nova" fervorosamente
defendida por Antero de Quental
e outros escritores portugueses
que, não por acaso, foram contemporâneos de Eça de Queirós
nas classes de Direito da Universidade de Coimbra. "O Primo
Basílio" realiza, no gênero do romance, aquilo que Antero e outros tentaram realizar nas áreas
da poesia e da análise de idéias.
O livro é um delicioso quadro
da classe média de Lisboa, com
inesquecíveis tipos caricatos, especialmente dois: o conselheiro
Acácio, medíocre pomposo e
"oficial", retratado com tal brilho
que seu nome se incorporou ao
imaginário da língua portuguesa, consagrado no adjetivo "acaciano" ("ridiculamente grave e
banalmente convencional"), e
dona Felicidade, a solteirona entrada em anos que já mal consegue sufocar sua urgência amorosa.
A história é ao mesmo tempo
banal e envolvente: Luísa vive
um casamento morno com seu
prosaico marido, o engenheiro
Jorge, e se intoxica de fantasias
românticas hauridas em livros
ou sugeridas nas conversas com
sua "devassa" amiga Leopoldina.
No curso de um verão abrasador, durante o qual Jorge faz uma
longa viagem de trabalho, Luísa
recebe a visita de um primo rico,
seu ex-namorado, agora vivendo
em Paris, cidade idealizada nos
sonhos românticos da moça.
Uma velha empregada ressentida -Juliana- a tudo assiste
cheia de intenções de vingança.
Esses são os ingredientes com
que o estilo irresistível de Eça de
Queirós compõe a trama do romance. Disso resulta uma crítica
demolidora da moral pequeno-burguesa. A aventura "romântica" de Luísa é vista sem nenhum
romantismo; ao contrário, é desnudada pelas lentes implacáveis
do Realismo, que, nessa época,
Eça abraçava com fervor, utilizando-o como método de análise
para elaborar um amplo e devastador quadro crítico da sociedade portuguesa.
A força de "O Primo Basílio",
contudo, não provém de sua trama (que Machado de Assis, em
crítica publicada na época do
lançamento do livro, demonstrou ser defeituosa), nem de suas
intenções de saneamento social,
mas sim do encanto do estilo de
Eça e de sua capacidade de dar vida às situações.
Com efeito, tratava-se de um
estilo novo naquele momento,
feito de sugestão e economia,
cheio de imprevistos na delicada
associação de palavras nunca antes reunidas: Eça é um verdadeiro mágico da combinação inesperada de substantivo e adjetivo,
de verbo e advérbio. Essa escrita
se tornou modelo da prosa moderna em português, inclusive da
prosa jornalística.
Francisco Achcar é professor de língua e literatura latina na Unicamp e autor de "Lírica e Lugar-comum" (Edusp)
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