São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 2002
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VALE A PENA SABER

MATEMÁTICA

A falta de lógica e o discurso político

JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Concluído o processo eleitoral, é hora de analisarmos do ponto de vista lógico uma frase dita por um candidato ao governo de um Estado brasileiro durante a campanha: "Se eu for eleito, as obras de duplicação da estrada X serão realizadas. Se eu não for eleito, essa obra não sairá do papel".
Como o candidato não foi eleito, se tomarmos como verdadeiras as duas implicações lógicas estabelecidas na frase, concluiremos então que a estrada X certamente não será duplicada nos próximos anos de governo.
Assumir como verdadeira a frase em que o candidato diz que, "se eleito, então duplicará a estrada" implica acreditarmos ou não na sua palavra. Um juízo a esse respeito só poderá ser formado levando-se em consideração a história política do candidato, sua propensão a dizer verdades durante a campanha etc.
Em relação à segunda frase, "se não eleito, a estrada não será construída", somos obrigados a dizer que aspectos relacionados à crença do eleitor na boa intenção do candidato são muito menos importantes do que os relacionados aos fundamentos lógicos, que garantem o erro da frase.
Para compreender o equívoco lógico cometido nessa implicação, chamemos de P o fato de o candidato ser eleito e de Q o da estrada ser duplicada.
Se nossas crenças políticas indicam que a ocorrência de P implicará a ocorrência de Q, ou seja, que o candidato diz a verdade quando afirma "se P, então Q", do ponto de vista lógico não podemos afirmar que "se não ocorrer P, então não ocorrerá Q".
A correta negação de uma proposição condicional do tipo "se P, então Q" não é "se não P, então não Q", mas, sim, "se não Q, então não P". Em outras palavras, admitindo P e Q verdadeiros, a negação de P não implica necessariamente a negação de Q, ou seja, se o candidato não for eleito, isso não implica dizer que a estrada necessariamente não será duplicada. Se a implicação "se P, então Q" é verdadeira, sua correta negação será, "se não Q, então não P", ou seja, "se a estrada X não for duplicada, então o candidato não foi eleito".


José Luiz Pastore Mello é professor da Faculdade de Educação da USP. E-mail: jlpmello@uol.com.br


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