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HISTÓRIA
"Liberdade, ainda que tarde..."
ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O pensamento conservador no Brasil edificou vários mitos a respeito da "natureza" do povo brasileiro. Há um, bastante difundido, que afirma a nossa passividade. O povo brasileiro seria essencialmente pacífico, de uma
submissão bovina. Os atos de rebeldia não fariam parte de nossa
forma de ser, da nossa tradição e da nossa história. Segundo essa
visão, qualquer questionamento da ordem seria fruto da ação de
grupos isolados que manipulam uma massa ingênua e ignorante
de bons brasileiros.
Mesmo considerando que não
há sentido falar em "povo brasileiro" na época colonial, essa fase
da nossa história está longe de ser
considerada pacífica e estável. Foram inúmeros os movimentos de
questionamento da ordem colonial, bem como variados os graus
de radicalismo de cada um deles.
Num extremo, podemos identificar os movimentos mais moderados, que questionavam aspectos da opressão e da administração colonial sem propor o rompimento com a metrópole. Foram
os casos da Revolta dos Irmãos
Beckman (Maranhão, 1684), da
Guerra dos Emboabas (Minas,
1708/09), da dos Mascates (Pernambuco, 1709-10) e da Revolta
de Filipe dos Santos (Minas,
1720). O fato desses movimentos
não questionarem o sistema colonial em si não significa que tenham sido tratados com brandura. Os líderes da Revolta de Beckman foram enforcados, os paulistas que resistiam a dividir as minas de ouro com os portugueses,
massacrados, e Filipe dos Santos,
que não aceitava o novo sistema
de impostos, esquartejado.
No outro extremo, encontramos um movimento que, além de
propor o rompimento com a metrópole, defendia uma profunda
reforma na organização econômica, social e política da colônia.
Foi a Revolta dos Alfaiates, em
1798, em Salvador. Entre os objetivos desse movimento estavam a
independência, a implantação de
uma República e a extinção da escravidão. À ousadia do movimento correspondeu uma repressão
cruel e generalizada.
Entre as divergências com o sistema e o rompimento pela raiz
com a ordem colonial, encontramos a Inconfidência Mineira
(1789) e a Insurreição Pernambucana (1817). Ambas padeciam de
aguda contradição. Inspiradas no
liberalismo e no Iluminismo, defendiam a independência e a implantação da República, mas não
ousavam aplicar os ideais de liberdade que justificavam a luta
contra a metrópole à nação que
desejavam construir, pois não tinham como meta a extinção da
escravidão.
Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na
Universidade Grande ABC.
Email: roberson.co@uol.com.br
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