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      São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 2003
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HISTÓRIA

Movimento militar e concentração de renda

ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em outra ocasião, tive a oportunidade de afirmar que o golpe de Estado desferido pelos militares em 1964 foi a solução de uma luta política que vinha se desenvolvendo desde o fim da 2ª Guerra Mundial.
O fator que precipitou o golpe foi a decisão do governo João Goulart de implementar o Programa das Reformas de Base, que propunha, entre outras coisas, a reforma agrária e a ampliação da ação do Estado na economia. Tal projeto tinha o apoio das forças nacionalistas, representadas pelo antigo PTB, e da esquerda organizada na CGT, na UNE, no PCB e nas Ligas Camponesas. O pretexto para depor o presidente foi o seu apelo às bases das Forças Armadas para que apoiassem o seu governo, o que foi interpretado como uma ameaça à hierarquia.
A intervenção militar contou com o apoio de amplos setores da sociedade brasileira: classe média, empresários, fazendeiros, meios de comunicação e setores da igreja. No plano internacional, o apoio político e a retaguarda militar dos EUA foram decisivos para dar sustentação ao golpe.
No plano econômico, contrariamente ao que se imagina, o movimento militar não rompeu com o "modelo econômico" que fora implantado no governo Juscelino Kubitschek. A indústria automobilística seguiu como centro dinâmico da economia nacional, e ampliaram-se os demais setores de bens de consumo duráveis (eletrodomésticos, eletroeletrônicos etc). Para possibilitar altas taxas de acumulação de capital, os sindicatos foram desorganizados, a rotatividade de mão-de-obra foi facilitada por meio do FGTS e os ganhos de produtividade não foram transferidos para os salários.
Só para dar uma idéia, em 1959, um trabalhador da indústria necessitava ganhar o equivalente a 65 horas de trabalho para adquirir uma ração essencial mínima. Em 1979, para adquirir essa mesma ração, ele precisava trabalhar 153 horas. Em 1960, os 10% mais ricos da população detinham 39% da renda nacional. Em 1980, eles passaram a deter 51%, nível que, com ligeiras variações, mantém-se até os dias atuais. Os 10% mais pobres detinham 17% da renda em 1960. Em 1980, detinham 12%.
Em geral, os analistas enfatizam os efeitos políticos danosos do movimento militar. Mas é importante destacar também que o movimento contribuiu ativamente para produzir os níveis escandalosos de concentração de renda que o país exibe hoje.


Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na Universidade Grande ABC.
E-mail: roberson.co@uol.com.br


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