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GRAMÁTICA
Sobre causas e explicações: enunciação e enunciado
ODILON SOARES LEME
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando se diz a alguém "eu te
amo", a pessoa fica muito feliz.
Mas o que faz a felicidade não é
tanto o enunciado. O importante
é a enunciação, o ato de dizer.
Amar sem nunca "declarar" que
se ama vai arrefecendo o amor. É
preciso multiplicar as enunciações, embora o enunciado seja
mais que conhecido, pois cada
enunciação acaba sendo uma
prova concreta do enunciado.
Se você entendeu a diferença
entre enunciação e enunciado, isso é muito importante para a sua
compreensão gramatical. De fato,
existem orações que justificam o
enunciado, e há orações que justificam a enunciação. As que justificam o enunciado são as subordinadas adverbiais causais. Já as que
justificam a enunciação classificam-se como orações coordenadas explicativas.
Isso pode parecer simplista, já
que, no campo filosófico, as noções de causa e explicação abrem
campo para sutilíssimas discussões. Mas na linguagem do dia-a-dia operamos facilmente com esses conceitos.
Para que se fale em causa há que
haver dois eventos, um dos quais
depende diretamente da ação do
outro: A porque B. Se eu digo que
"as ruas estão molhadas porque
choveu", estou afirmando que o
evento "ruas molhadas" se deve
ao evento "ter chovido". Assim,
"porque choveu" se classifica como oração subordinada adverbial
causal.
Se, porém, eu disser "deve ter
chovido, pois as ruas estão molhadas", não se poderá falar de
causa, já que existe um único fato.
"Deve ter chovido" não é um fato;
é suposição, é hipótese. O único
fato é "as ruas estão molhadas", e
esse fato é apresentado para justificar a enunciação "deve ter chovido". É como se eu estivesse respondendo à pergunta: que argumento você tem para dizer que
deve ter chovido?
Normalmente se usa a conjunção porque para introduzir uma
causal, e a conjunção pois, precedida de vírgula, para introduzir
uma coordenada explicativa. Mas
é preciso cuidado. Se eu dissesse
"Deve ter chovido, porque as ruas
estão molhadas", a segunda oração, embora iniciada pelo porque,
continuaria a ser coordenada explicativa. Por quê? Porque estaria
justificando a enunciação de uma
hipótese, e não dando a causa de
um evento enunciado.
Como se vê, o importante não é
tanto a conjunção que se usa. O
importante é o tipo de relação de
sentido que se estabelece entre as
duas orações.
Odilon Soares Leme é professor do Anglo, responsável pela vinheta "S.O.S. Língua Portuguesa" da rádio Jovem Pan e
autor de "Tirando Dúvidas de Português" e de "Linguagem, Literatura, Redação" (Editora Ática)
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