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PORTUGUÊS
"Erro de português" é questão polêmica
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
É comum que se tenda a avaliar
um texto ou a competência lingüística de alguém por meio de
uma quantificação dos chamados
"erros de português". Em outras
palavras, não são raras as vezes
em que se superestima o que há
de mais superficial no processo de
elaboração de um discurso. O que
se considera "erro", entretanto,
depende do padrão tomado como
referência e está longe de ser uma
questão objetiva.
Alguns "erros", tidos como
grosseiros, são constante motivo
de chacota. Há quem se exalte e
diga padecer da mais terrível dor
de ouvidos ao escutar alguma expressão diversa daquelas com que
se habituou. Esse comportamento não revela mais que o desejo de
afirmar uma suposta superioridade sobre os demais num mundo
de desigualdades.
Parece engraçado que alguém
diga "nós vai lá" ou "os menino",
por exemplo. Mas quem se ri dessas formas de expressão o faz simplesmente pelo fato de serem
construções alheias ao seu repertório. A tomar como padrão a
gramática tradicional, será difícil
encontrar alguém que não "erre".
E, mesmo assim, não falta quem
se dê o direito de discriminar
aqueles que "erram" de modo diverso do seu.
A atitude mais isenta e científica
é a de quem procura investigar a
natureza da expressão -sobretudo se se trata de construção disseminada, e não de uma ocorrência
fortuita. Um enunciado como
"nós vai" em si nada tem de engraçado. É pleno de sentido -e
só por isso se constitui em alternativa. A língua contém estruturas redundantes (as chamadas
concordâncias), que, intuídas pelos falantes, são automaticamente
suprimidas, num legítimo processo de simplificação. Em uma
frase como "nós vamos", o pronome "nós" "já indica qual é o sujeito; daí a desinência "-mos" ser
percebida como desnecessária.
Em "os menino", é a presença do
artigo no plural que assinala a flexão de número do substantivo. Se
fossem agramaticais, essas estruturas não seriam compreendidas.
Ora, isso quer dizer que devemos deixar de dizer "nós vamos"
por ser redundante? É claro que
não. Trata-se de mudar o olhar
sobre o fenômeno da língua
-que é social e manifesta-se por
meio dos falantes. Atribuir ignorância ou falta de inteligência a alguém com base na variante lingüística de que se serve é, no mínimo, leviandade. E esse é um assunto sério em um país das dimensões do nosso, com regiões e
falares tão distintos entre si. Há
múltiplas expressões, cada uma
contribuindo a seu modo para a
fixação de uma das culturas mais
criativas do planeta.
Os verdadeiros problemas de
um texto são as falhas de raciocínio, pois estas é que revelam a dificuldade de elaboração e de comunicação do pensamento.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha
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