São Paulo, sábado, 01 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os russos estão chegando!

Denis Sinyakov/AFP
Soldados russos jogam baralho impresso com o rosto de políticos americanos, em frente à Praça Vermelha, em Moscou


Amadurecimento acadêmico faz crescer o número de obras traduzidas para o português

MARIA BRANT
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Com o lançamento de "Um Jogador", a Editora 34 acaba de elevar para pelo menos 30 o número de livros russos traduzidos diretamente para o português nos últimos cinco anos, a vasta maioria dos quais sendo obras consideradas clássicas, de autores nascidos no século 19. Segundo editores ouvidos pela Folha, a recente "onda russa" no Brasil pode ser atribuída a três "amadurecimentos": o de tradutores, o da reflexão acadêmica e o do público brasileiro.
Grande parte dos clássicos já havia sido publicada no Brasil nos anos 1960, em coleções de editoras como Ediouro, Nova Aguilar e José Olympio, mas as traduções, afirmam os editores, eram feitas do francês ou do inglês, e os tradutores davam aos textos um ar rebuscado que muitas vezes não estava presente no original.
"Dostoiévski, por exemplo, já era um autor clássico, mas a maioria das traduções eram feitas do francês, o que criava um filtro "elegante" que não era característico do autor", afirma Alberto Martins, da Editora 34, que, com sua Coleção Leste, foi a pioneira das traduções diretas do russo.
"A perspectiva das traduções era passadista, inspirada nas "belles-lettres" francesas", afirma Nelson dos Reis, da Nova Alexandria, que publicou recentemente "Judas Iscariotes", de Leonid Andreiév, autor celebrado nos anos 1960 e 1970 no Brasil, mas esquecido nas últimas décadas. "Isso produzia traduções forçadas, que pareciam obras machadianas, contrastando com o estilo direto dos russos."
A decisão de investir em novas traduções, afirma Martins, foi resultado de um diálogo com acadêmicos e tradutores. "No fundo, as editoras não existem em si, são fruto do trabalho intelectual de outras pessoas."
Fundamentais nesse diálogo foram estudiosos e tradutores como Boris Schnaiderman, Aurora Bernardini, Homero Freitas de Andrade, Paulo Bezerra e Rubens Figueiredo.
Segundo Samuel Titán Jr., da Cosac Naify, outra editora que investiu nos russos, as publicações recentes se devem, em grande parte, ao amadurecimento do departamento de literatura russa na USP, que teve início na década de 60, no qual lecionam Bernardini e Freitas de Andrade.
Outro fator apontado por Titán Jr. como incentivo às novas traduções é o amadurecimento dos leitores. "O público leitor brasileiro é pequeno, mas cada vez mais exigente", afirma. "Editoras com trabalhos de segunda qualidade não vão sobreviver."
Segundo Martins e Titán Jr., as vendas dos clássicos russos têm superado as expectativas. Além do fato de a tradução direta se tornar "um acontecimento em si", diz Martins, o fato de a maioria dos autores russos clássicos terem produzido "uma literatura em crise com sua época" torna os textos atuais.
Mas, se os clássicos são vistos como atuais, chama atenção a ausência de obras contemporâneas propriamente ditas entre os lançamentos no Brasil.
De autores russos nascidos no século 20, foram publicados recentemente apenas "Verão em Baden-Baden", de Leonid Tskipkin (1926-1982), lançado pela Companhia das Letras em 2003, e "A Vida dos Insetos" e "Metralhadora de Argila", ambos de Viktor Pelevin, editados pela Rocco em 2000 e 2003, respectivamente, mas não traduzidos diretamente do russo.
Para Reis, a demora em lançar autores mais novos é natural. Os lançamentos têm seguido uma ordem mais ou menos cronológica, e as editoras maiores ainda não chegaram aos autores atuais.
"À medida que o movimento editorial [em torno dos russos] se consolidar, novos nomes devem surgir", afirma. "Quem dá as cartas são, na verdade, as editoras grandes. Depois é que as menores procuram o biscoito fino."
Mas Titán Jr. afirma que não há previsão de tradução de obras contemporâneas por sua editora no futuro próximo. "A produção mais recente ainda não chegou ao meu horizonte", diz.


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: Crítica: "Jogador" tem fluência do original
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.