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CRÍTICA
"Jogador" tem fluência do original
IRINEU FRANCO PERPÉTUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O título não é aquele a que
você está acostumado, mas
não há motivo para desconfiança,
pois a tradução é excelente.
Sob o nome de "Um Jogador -
Apontamentos de um Homem
Moço", a Editora 34 lança no Brasil o mais conciso romance de
Fiódor Dostoiévski, em tradução
de Boris Schnaiderman.
Schnaiderman é cultuado como
um dos maiores tradutores de literatura russa para o português, e
explica em seu posfácio o porquê
de ter adotado uma escolha de título diferente da habitual. A língua russa não tem artigos. O título
original é simplesmente "Igrok",
normalmente traduzido, quer em
português, quer em outros idiomas, como "O Jogador", com artigo definido. O tradutor argumenta, contudo, que o emprego do artigo definido se deve ao fato de os
editores usualmente eliminarem
o subtítulo da obra que ele aqui
inclui, traduzindo como "Apontamentos de um Homem Moço".
"Realmente o artigo só pode ser
o indefinido. Baseado nisso e no
texto do romance, eu o vejo como
a confissão de um jogador russo,
aliás bem russo, agressivamente
russo, nunca "o jogador", como
personalidade genérica." Longa
discussão refere-se a quanto há de
Dostoiévski na vida desse "agressivamente russo" Aleksiéi Ivanovitch, instrutor dos filhos de um
general que padece de paixão por
sua enteada, Polina, numa fictícia
estação de águas, Roletemburgo.
Sabe-se que Dostoiévski realizou viagens pela Europa Ocidental, e consumiu-se em paixões
tanto pela roleta, quanto por uma
Polina Súslova. Mas seria empobrecedor reduzir "Um Jogador" à
categoria de "roman à clef", no
qual cada personagem e evento
do livro corresponderia a fatos da
vida real de seu autor. Parece mais
justo afirmar que Dostoiévski lançou mão de sua experiência para
elaborar uma de suas mais poderosas obras. A expressão "capitalismo-cassino", tão cara a Robert
Kurz, vem à mente nesta Roletemburgo em que todas as relações estão monetarizadas, e no
qual a posse de papel-moeda perseguido nas mesas de jogo determina inexoravelmente a inserção
e as escolhas de cada personagem.
O narrador afirma que "no catecismo das virtudes e méritos do
civilizado homem ocidental, entrou historicamente, e quase na
qualidade de primeira condição, a
capacidade de adquirir capitais".
Para além do conteúdo, entretanto, o que mais conquista no aspecto formal do "Jogador" é a escrita
"conturbada" tão característica de
Dostoievski, e que o aproxima
tanto da literatura moderna. O
ritmo da prosa, às vezes, nos lembra de seus tempos de autor de folhetim, por deixar em finais de capítulo um "suspense" que só será
resolvido nas páginas seguintes.
Não custa lembrar que o escritor russo, em sua época, foi acusado de "escrever mal", por não se
preocupar em repetir palavras,
nem ter preciosismo nas regras
gramaticais. Schnaiderman jamais incorre na tentação de "corrigir" Dostoievski, empolando a
obra com tom solene que seria estranho a seu autor. O texto chega
ao leitor lusófono com a mesma
fluência e simplicidade de vocabulário do russo. Se o tradutor, na
"língua de chegada", pode ser definido como co-autor da obra por
ele vertida, então não seria exagero ver em Schnaiderman o co-autor ideal de Dostoievski.
Um Jogador
Autor: Fiódor Dostoiévski
Tradução: Boris Schnaiderman
Editora: 34
Quanto: R$ 29 (232 págs.)
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