São Paulo, domingo, 01 de janeiro de 2006

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O poder em folhetim


Globo estréia nesta terça minissérie sobre a vida de Juscelino Kubitschek

Em "JK", amantes do presidente são reduzidas a uma só personagem



DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

"JK", a minissérie que estréia nesta terça na Globo, abre o calendário eleitoral de 2006 contando na televisão a história daquele que foi um dos presidentes mais populares do país, do bordão que prometia fazer "50 anos em 5".
Os autores da minissérie darão ao protagonista, Juscelino Kubitschek (1902-1976), o JK, tratamento de herói de novela. O texto da Globo que anuncia a minissérie saúda JK como "o homem que proporcionou ao Brasil uma era de ouro sob o signo da democracia e do otimismo", que fez "gestão inovadora marcada pela construção da capital federal".
Até a faceta mais prosaica de JK, a de mulherengo, será maquiada. Todas as amantes do presidente (e teriam sido muitas) serão reduzidas a uma só personagem.
Para contar a história do filho de caixeiro-viajante que chegou ao cargo público mais importante do país, Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, autores da minissérie, tiveram que fazer algumas concessões. Buscaram a autorização e a colaboração de descendentes de JK, que pediram para o assunto "mulheres" ser tratado de "forma digna".
"No Brasil, fazer biografia de personagens recentes, com descendentes vivos, sem autorização das famílias, é arriscar vê-la fora do ar ou das prateleiras das livrarias", avalia Maria Adelaide.
"JK" retratará Juscelino do nascimento, em Diamantina (MG), ao velório, em 1976, a primeira manifestação popular pela redemocratização do país. Mas não espere um curso de história do Brasil em 47 capítulos.
A minissérie é, antes de mais nada, uma novela que mistura personagens reais com fictícios -estes responsáveis pelo relato das mudanças na cultura e nos costumes. "A história pessoal de JK é repleta de lances de folhetim", diz Nogueira.
A seguir, leia trechos de entrevista concedida por Maria Adelaide e Alcides Nogueira.
 

Folha - Há algum risco de a minissérie influir nas eleições presidenciais do ano que vem?
Maria Adelaide Amaral -
A minissérie irá ao ar no primeiro semestre e não no segundo, quando se iniciará a propaganda eleitoral. Mesmo assim, não poderemos impedir que os diversos candidatos busquem identidade de temperamento e/ou de propósitos com JK. Já desde este ano, curiosamente, muitos se comparam a ele. Na verdade, todos desejariam ser JK.

Folha - Vocês já estão escrevendo os últimos capítulos de "JK". Acreditam que criaram uma minissérie que irá contar de forma fiel a história do presidente?
Alcides Nogueira
- Achamos que sim, pois, para escrever a minissérie, fizemos (e continuamos a fazer) uma pesquisa imensa, em profundidade, além de consultarmos freqüentemente os familiares do presidente, amigos, pessoas que fizeram parte de seu círculo mais íntimo.
A história pessoal de JK é repleta de lances de folhetim, de grandes momentos, de muita emoção. Por que sonegar isso do telespectador? Por isso, na minissérie, a emoção está presente o tempo todo, ao lado e junto de sua trajetória política.

Folha - Personagens reais de "JK" interagem com personagens fictícios. Isso não tira autenticidade histórica da minissérie?
Nogueira
- Isso já foi usado muitas vezes, inclusive por nós em "Um Só Coração" [2004], e, em vez de tirar a autenticidade histórica, ajudou o telespectador a compreender melhor o universo que estava sendo retratado.
Mesmo baseada em fatos reais, a minissérie é uma obra de ficção, não é um documentário. Mas tomamos cuidado para que a ficção esteja sempre inserida com propriedade dentro da história real.
A nossa preocupação foi retratar, com as tramas ficcionais, os tipos, usos e costumes e situações que estiveram presentes nesses quase 74 anos de história do Brasil. São personagens e histórias representativas de cada período vivido por Juscelino.

Folha - Na festa de lançamento da minissérie, vocês disseram que "JK" não seria possível sem o apoio dos descendentes de JK. Como a família apoiou a produção?
Amaral
- Não estamos nos Estados Unidos, onde é possível fazer biografias autorizadas e não-autorizadas. No Brasil, fazer biografia de personagens recentes, com descendentes vivos, sem autorização das famílias, é arriscar vê-la fora do ar ou das prateleiras das livrarias. Veja o que aconteceu com o livro de Ruy Castro sobre Garrincha.
Mas o contato com a família é uma das melhores coisas, sobretudo da fase da investigação. Sei disso desde que escrevi "Tarsila" para o teatro. Porque muitas informações, eu diria até que as mais interessantes para um dramaturgo, não estão nos livros, e uma leva a outra, abrindo infinitas portas. Simpatias, antipatias, cumplicidade dos membros das famílias com os personagens constituem um rico manancial com o qual construímos solidamente um personagem. Isso também aconteceu em "Um Só Coração" com Yolanda Penteado e Ciccilo Matarazzo.

Folha - Vocês tiveram que fazer concessões históricas para poder contar a saga de JK?
Nogueira
- Não havia motivo para fazer concessões históricas. Os fatos são recentes, conhecidos de muita gente e amplamente documentados. Não se trata de uma minissérie chapa-branca. O [Carlos] Lacerda, que foi um dos maiores opositores do governo JK, tem papel de muito destaque, retratado com suas próprias palavras, tiradas de seus discursos e artigos. E muitos dos personagens ficcionais representam exatamente certos bolsões da sociedade que rejeitavam Juscelino.

Folha - Uma dessas concessões não foi justamente a junção de todas as amantes de Juscelino em uma só? Dessa forma, o aspecto mulherengo não ficará um tanto "escondido"? A família de JK pediu para amenizar esse aspecto?
Amaral
- A única coisa que a família de JK pediu foi para tratar do tema com dignidade, o que tem sido muito fácil, uma vez que os personagens envolvidos são muito dignos.
JK era um homem galante e sedutor, e isso será evidenciado. Mas não era um conquistador deselegante e invasivo como outro que mais tarde ocuparia a Presidência. Aliás, o que se diz é que as mulheres se jogavam para cima dele. E, a julgar pelo número de senhoras que nos disseram ter tido um caso com o presidente, nos perguntamos como é que ele tinha tempo para governar.
Não gostamos do termo mulherengo porque isso o define mal. Ele era sim um "homme aux femmes" [literalmente, homem que gosta de mulheres], mas conhecia bem as regras da elegância, delicadeza e cortesia.


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