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O poder em folhetim
Globo estréia nesta terça minissérie sobre a vida
de Juscelino Kubitschek
Em "JK", amantes do presidente são reduzidas
a uma só personagem
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DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
"JK", a minissérie que estréia
nesta terça na Globo, abre o calendário eleitoral de 2006 contando
na televisão a história daquele que
foi um dos presidentes mais populares do país, do bordão que
prometia fazer "50 anos em 5".
Os autores da minissérie darão
ao protagonista, Juscelino Kubitschek (1902-1976), o JK, tratamento de herói de novela. O texto da
Globo que anuncia a minissérie
saúda JK como "o homem que
proporcionou ao Brasil uma era
de ouro sob o signo da democracia e do otimismo", que fez "gestão inovadora marcada pela construção da capital federal".
Até a faceta mais prosaica de JK,
a de mulherengo, será maquiada.
Todas as amantes do presidente
(e teriam sido muitas) serão reduzidas a uma só personagem.
Para contar a história do filho de
caixeiro-viajante que chegou ao
cargo público mais importante do
país, Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, autores da minissérie, tiveram que fazer algumas
concessões. Buscaram a autorização e a colaboração de descendentes de JK, que pediram para o
assunto "mulheres" ser tratado de
"forma digna".
"No Brasil, fazer biografia de
personagens recentes, com descendentes vivos, sem autorização
das famílias, é arriscar vê-la fora
do ar ou das prateleiras das livrarias", avalia Maria Adelaide.
"JK" retratará Juscelino do nascimento, em Diamantina (MG),
ao velório, em 1976, a primeira
manifestação popular pela redemocratização do país. Mas não espere um curso de história do Brasil em 47 capítulos.
A minissérie é, antes de mais nada, uma novela que mistura personagens reais com fictícios -estes responsáveis pelo relato das
mudanças na cultura e nos costumes. "A história pessoal de JK é
repleta de lances de folhetim", diz
Nogueira.
A seguir, leia trechos de entrevista concedida por Maria Adelaide e Alcides Nogueira.
Folha - Há algum risco de a minissérie influir nas eleições presidenciais do ano que vem?
Maria Adelaide Amaral - A minissérie irá ao ar no primeiro semestre e não no segundo, quando
se iniciará a propaganda eleitoral.
Mesmo assim, não poderemos
impedir que os diversos candidatos busquem identidade de temperamento e/ou de propósitos
com JK. Já desde este ano, curiosamente, muitos se comparam a
ele. Na verdade, todos desejariam
ser JK.
Folha - Vocês já estão escrevendo
os últimos capítulos de "JK". Acreditam que criaram uma minissérie
que irá contar de forma fiel a história do presidente?
Alcides Nogueira - Achamos que
sim, pois, para escrever a minissérie, fizemos (e continuamos a fazer) uma pesquisa imensa, em
profundidade, além de consultarmos freqüentemente os familiares
do presidente, amigos, pessoas
que fizeram parte de seu círculo
mais íntimo.
A história pessoal de JK é repleta
de lances de folhetim, de grandes
momentos, de muita emoção. Por
que sonegar isso do telespectador? Por isso, na minissérie, a
emoção está presente o tempo todo, ao lado e junto de sua trajetória política.
Folha - Personagens reais de "JK"
interagem com personagens fictícios. Isso não tira autenticidade
histórica da minissérie?
Nogueira - Isso já foi usado muitas vezes, inclusive por nós em
"Um Só Coração" [2004], e, em
vez de tirar a autenticidade histórica, ajudou o telespectador a
compreender melhor o universo
que estava sendo retratado.
Mesmo baseada em fatos reais,
a minissérie é uma obra de ficção,
não é um documentário. Mas tomamos cuidado para que a ficção
esteja sempre inserida com propriedade dentro da história real.
A nossa preocupação foi retratar, com as tramas ficcionais, os tipos, usos e costumes e situações
que estiveram presentes nesses
quase 74 anos de história do Brasil. São personagens e histórias representativas de cada período vivido por Juscelino.
Folha - Na festa de lançamento da
minissérie, vocês disseram que
"JK" não seria possível sem o apoio
dos descendentes de JK. Como a família apoiou a produção?
Amaral - Não estamos nos Estados Unidos, onde é possível fazer
biografias autorizadas e não-autorizadas. No Brasil, fazer biografia de personagens recentes, com
descendentes vivos, sem autorização das famílias, é arriscar vê-la
fora do ar ou das prateleiras das livrarias. Veja o que aconteceu com
o livro de Ruy Castro sobre Garrincha.
Mas o contato com a família é
uma das melhores coisas, sobretudo da fase da investigação. Sei
disso desde que escrevi "Tarsila"
para o teatro. Porque muitas informações, eu diria até que as
mais interessantes para um dramaturgo, não estão nos livros, e
uma leva a outra, abrindo infinitas portas. Simpatias, antipatias,
cumplicidade dos membros das
famílias com os personagens
constituem um rico manancial
com o qual construímos solidamente um personagem. Isso também aconteceu em "Um Só Coração" com Yolanda Penteado e
Ciccilo Matarazzo.
Folha - Vocês tiveram que fazer
concessões históricas para poder
contar a saga de JK?
Nogueira - Não havia motivo para fazer concessões históricas. Os
fatos são recentes, conhecidos de
muita gente e amplamente documentados. Não se trata de uma
minissérie chapa-branca. O [Carlos] Lacerda, que foi um dos
maiores opositores do governo
JK, tem papel de muito destaque,
retratado com suas próprias palavras, tiradas de seus discursos e
artigos. E muitos dos personagens
ficcionais representam exatamente certos bolsões da sociedade que
rejeitavam Juscelino.
Folha - Uma dessas concessões
não foi justamente a junção de todas as amantes de Juscelino em
uma só? Dessa forma, o aspecto
mulherengo não ficará um tanto
"escondido"? A família de JK pediu
para amenizar esse aspecto?
Amaral - A única coisa que a família de JK pediu foi para tratar
do tema com dignidade, o que
tem sido muito fácil, uma vez que
os personagens envolvidos são
muito dignos.
JK era um homem galante e sedutor, e isso será evidenciado.
Mas não era um conquistador deselegante e invasivo como outro
que mais tarde ocuparia a Presidência. Aliás, o que se diz é que as
mulheres se jogavam para cima
dele. E, a julgar pelo número de
senhoras que nos disseram ter tido um caso com o presidente, nos
perguntamos como é que ele tinha tempo para governar.
Não gostamos do termo mulherengo porque isso o define mal.
Ele era sim um "homme aux femmes" [literalmente, homem que
gosta de mulheres], mas conhecia
bem as regras da elegância, delicadeza e cortesia.
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